17 outubro, 2009

Mea culpa





















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Foto: Susie McKay Krieser

Mea culpa

Sou tão egoísta quanto covarde.
Agarro-me às letras,
(anjos redentores ou demônios
sedutores, não sei ao certo).
O certo é que bebo delas até
a embriaguez ou até gozar
em versos toda a sorte de males
que me surtam. Desfloro seus hímens
intactos quando as manipulo
inconsequente e cheia de lascívia.
Tão puras e tenras, maculadas pelo
falo da minha fala.

Pobres anjos
que em suas asas coloridas
carregam o negrume mórbido
das minhas entranhas, corroídas
pela covardia do dia seguinte.
Amanhecer é sempre um bicho de sete cabeças.

Quando endemoniadas
pelas minhas vontades e vaidades,
e pela ausência de lucidez que
me permite ainda amanhecer sem dor,
dançam sobre meu corpo e pisam
o meu sexo fazendo-me arder e
sentir o ventre cheio.
Sinto uma necessidade visceral
de expelir do bucho fecundo
rebentos dos meus devaneios.

Acho mesmo que se apiedam de mim
(elas, as letras)
Por isso ainda me vestem as partes nuas
enquanto eu, ingrata que sou
trato de profaná-las nas mesas de bar
ou em alguma cama sem dono.

Monica San



14 outubro, 2009

Pisoteando

Pisoteando

Piso
te
ando

teu corpo
chão

meus pés
sobre
saindo

tato
ando
vão.

Monica San

Terminal

















Terminal



Pensou nas velhas histórias ouvidas na infância, as princesas e seus príncipes, as bruxas, os castelos, e os amores impossíveis e em como esses amores venciam o mal e a felicidade enfim reinava entre os bons.
Sorriu um sorriso amassado e empoeirado, que há muito não recolhia do baú.
Do lado de cá das memórias, um desarranjo gástrico amargava a saliva, e fazia do passado uma ferida quase terminal. Encontrara nas cápsulas salvadoras uma forma de retardar o efeito corrosivo das lembranças.
Tentou mais uma vez engolir o presente, mas o futuro... este lhe parecia intragável, causava-lhe náuseas quando tentava imaginar, então optou por ignorá-lo, decidiu que o que lhe era desconhecido haveria de não ser nada.

Achou que seria um bom momento para ver um filme. Amante que era da sétima arte, vestiu de vez aquele sorriso amassado, e tragou todas as cápsulas... todas elas, uma a uma.
Deitou-se, para ver passar o filme da sua vida.

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Na mente atordoada ressoavam sirenes, gritos, choros convulsos, e vinham aos poucos imagens confusas e desfocadas. Corre-corre, cheiro de remédio que se misturava ao cheiro de alcool, éter, ou algo assim. Levou a mão ao rosto, e sentiu a cânula grossa que atravessava sua garganta e causava um desconforto terrível. Tentou puxar, mas teve o gesto contido por mãos ágeis que espreitavam sua reação.

Concluiu enfim que as cápsulas para gastrite não eram tão salvadoras quanto imaginava (ou esperava), da próxima vez tentaria os anti-hipertensivos.
E, claro, deixaria uma câmera ao lado da cabeceira, nunca se sabe quando será mesmo o "grand finale"!

Monica San

Sob os pés

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