21 dezembro, 2009

Então é natal!






"Vida: o maior presente!"












Natal é tempo de reflexão, de renascimento, de amor, de paz. Natal é tempo de repensar a vida e se preparar para um novo ano, para um tempo novo, de novas esperanças e realizações.

Assim foi convencionado um dia, assim foi dito e tem se reafirmado por gerações e gerações como uma verdade única e quase obrigatória entre povos de várias nações.

Mas o tempo que realmente importa não é o que está marcado num calendário, ou está sendo contado nos ponteiros do relógio, e sim o que eu vivo agora, o único do qual eu realmente disponho.
Porque o ontem já passou, já não me pertence a não ser em minha memória, e o amanhã é tão incerto quanto a grandeza do universo. Só o que eu tenho de fato, é o hoje, o agora... e hoje, é tempo de reflexão, de repensar a vida, de fazer o meu melhor.

Por isso, eu desejo a todos aqueles que amo, e a todos aqueles que precisam de amor, que precisam descobrir o verdadeiro sentido da vida, que o natal se faça em todos os seus dias e que cada amanhecer seja um recomeço, uma nova vida, uma esperança a mais no coração de cada um de nós.

"A felicidade é um estado de espírito momentâneo, arrebatador e imprevisível. É preciso saber reconhecê-la, quando estiver à sua porta."
MS

29 novembro, 2009

Falta

Falta

Falta lógica pra entender o vazio.
O oco, o vão, o nada que se faz
onde antes era sorriso, luz, amor.

Falta lógica pra entender o universo
e aceitar as perdas irreparáveis
a falta do olhar, do carinho, do riso.

Falta lógica
e sobra tanta saudade.

Monica San

06 novembro, 2009

Minha mãe





Pouca coisa é capaz de calar o coração de um poeta, quase nada. Mas há momentos em que o silêncio e o vazio tornam-se poemas chorosos, versos doloridos, preces em forma de poesia.
Hoje o silêncio fala por mim.




Há um vazio
um hiato que me faz calar a voz
um silêncio que se estende
do antes ao agora
do fio de esperança
à certeza do fim
mas um fim que não encerra
um fim que não é ponto final
é apenas um respirar
uma pausa acentuada
um acostumar-se
à ausência
à saudade
à dor que se faz presente
mas que também se faz força
no amor de quem agora
é minha luz...
minha energia
minha fonte de vida!
Minha mãe.

Monica San

(Não há palavra ou poema nesse mundo que preencha esse vazio... só uma rima pro teu nome: amor.)

17 outubro, 2009

Mea culpa





















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Foto: Susie McKay Krieser

Mea culpa

Sou tão egoísta quanto covarde.
Agarro-me às letras,
(anjos redentores ou demônios
sedutores, não sei ao certo).
O certo é que bebo delas até
a embriaguez ou até gozar
em versos toda a sorte de males
que me surtam. Desfloro seus hímens
intactos quando as manipulo
inconsequente e cheia de lascívia.
Tão puras e tenras, maculadas pelo
falo da minha fala.

Pobres anjos
que em suas asas coloridas
carregam o negrume mórbido
das minhas entranhas, corroídas
pela covardia do dia seguinte.
Amanhecer é sempre um bicho de sete cabeças.

Quando endemoniadas
pelas minhas vontades e vaidades,
e pela ausência de lucidez que
me permite ainda amanhecer sem dor,
dançam sobre meu corpo e pisam
o meu sexo fazendo-me arder e
sentir o ventre cheio.
Sinto uma necessidade visceral
de expelir do bucho fecundo
rebentos dos meus devaneios.

Acho mesmo que se apiedam de mim
(elas, as letras)
Por isso ainda me vestem as partes nuas
enquanto eu, ingrata que sou
trato de profaná-las nas mesas de bar
ou em alguma cama sem dono.

Monica San



14 outubro, 2009

Pisoteando

Pisoteando

Piso
te
ando

teu corpo
chão

meus pés
sobre
saindo

tato
ando
vão.

Monica San

Terminal

















Terminal



Pensou nas velhas histórias ouvidas na infância, as princesas e seus príncipes, as bruxas, os castelos, e os amores impossíveis e em como esses amores venciam o mal e a felicidade enfim reinava entre os bons.
Sorriu um sorriso amassado e empoeirado, que há muito não recolhia do baú.
Do lado de cá das memórias, um desarranjo gástrico amargava a saliva, e fazia do passado uma ferida quase terminal. Encontrara nas cápsulas salvadoras uma forma de retardar o efeito corrosivo das lembranças.
Tentou mais uma vez engolir o presente, mas o futuro... este lhe parecia intragável, causava-lhe náuseas quando tentava imaginar, então optou por ignorá-lo, decidiu que o que lhe era desconhecido haveria de não ser nada.

Achou que seria um bom momento para ver um filme. Amante que era da sétima arte, vestiu de vez aquele sorriso amassado, e tragou todas as cápsulas... todas elas, uma a uma.
Deitou-se, para ver passar o filme da sua vida.

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Na mente atordoada ressoavam sirenes, gritos, choros convulsos, e vinham aos poucos imagens confusas e desfocadas. Corre-corre, cheiro de remédio que se misturava ao cheiro de alcool, éter, ou algo assim. Levou a mão ao rosto, e sentiu a cânula grossa que atravessava sua garganta e causava um desconforto terrível. Tentou puxar, mas teve o gesto contido por mãos ágeis que espreitavam sua reação.

Concluiu enfim que as cápsulas para gastrite não eram tão salvadoras quanto imaginava (ou esperava), da próxima vez tentaria os anti-hipertensivos.
E, claro, deixaria uma câmera ao lado da cabeceira, nunca se sabe quando será mesmo o "grand finale"!

Monica San

Sob os pés

30 setembro, 2009

Contra-indicação

Você não entende, nunca entende. Mesmo assim deita-se sobre mim como se me soubesse toda. E eu concordo, me doo, me estendo sob suas vontades, coisa de quem não se encontra e prefere perder-se a sentir-se santa. Gosto de viver à margem, sendo lambida pelas bordas.
Mesmo sem entender nada você me devora. É um bicho faminto e acha que precisa me fazer presa para que eu seja sua.

Relaxa honey. Ao menos uma vez. Seja doce, seja cortez, seja romântico, não dói amor. Amor não dói.
Precisa me deixar marcas dos dedos, dos dentes, dos lábios, quando você inteiro já o é? O ferro que sangra meus quartos é o mesmo que cravou em mim a tua marca. Não sou gado pra ser marcada, mas sei que sou do teu agrado, por isso monta nas minhas ancas e joga o laço.
E eu entrelaço, me entrego. Sou vítima do teu ego, deleite pro teu cansaço de homem sério.

Ah honey, disseram que isso é paixão. Andei febril, desorientada, nem te falei nada. Tive medo que medrasse diante tamanho risco. Prometi que não me apaixonaria não foi? E não vou. Isso passa. Já tomei uns antitérmicos e passei o olho na tua caixa de recados.
Vou voltar às bordas e me contentar com as tuas lambidas.
Quanto à doçura... deixa honey, prefiro apimentar nossas noites e deixar os açúcares aos mais corajosos.
Afinal, sou pré-diabética, seria um risco desnecessário e até letal.

Monica San

Prometeu


















Permito-me hoje
ou "a partir de"
(que importa?)
importa
é que me deixo
à porta, ao varejo
a quem dê mais
ou,
a quem de desejo

ademais
ofereço o beijo
que outrora foi
ou seria teu
agora é sobejo
do fogo
que supunha meu

Doo o que resta
das tais promessas
e gozo

abundo meu gozo
noutro corpo

e esgoto

o fogo
que me perdeu.


Monica San

Solstício de verão















C'est la vie!
Me desamarra amor
não me faz tua
assim não

Desata o que não ata
e deixa aberta a porta

Vie, l'amour!
Depois volta
engata e me ata
desacata
e ama

De porta aberta
amor de sol
lençol
chama.

Monica San

13 setembro, 2009

Transcendência




















Transcendência

Era tanto sentimento, tanto desejo, que ela não sabia mais onde colocar tudo aquilo. Sentia-se em ponto de explodir, um vulcão em erupção pronto a devastar tudo quanto estivesse em seu caminho. E o peito inchava, os olhos ardiam, do útero em chamas reverberavam arrepios e
gemidos insanos. Suas palavras eram febris, e os gestos eram imensos, pareciam alcançar o nirvana. Agigantava-se vestida daquele sentimento.

E ele estava lá, como sempre. O olhar pueril escondia toda a ferocidade de um guerreiro, de um predador silencioso. Dominava a situação e encantava com seu jeito dócil e com as artimanhas de um filhote desajeitado. Mas era um lobo criado, sabia muito bem como enredar e prender. Devorá-la seria apenas mais um de seus troféus, (pensava ela).

O que eles não sabiam, é que nem os gigantes e nem os lobos são incólumes diante de tanto encantamento. Quando ela, tomada de um impulso cruel que lhe causava calafrios, tocou seus olhos e disse:

- Eu te amo.

Ele, tão forte e imponente, sentiu-se inflar e inflamar de um sentimento único. Era felicidade, por saber-se tão amado.
Não houve promessas, nem juras de amor. Apenas silêncio de almas. E olhares que se cruzavam mesmo sem se tocarem. Eles sabiam-se amantes, cada um a seu modo, e isso era maior do que tudo, suplantava a compreensão humana e transcendia o cosmo.

E ela adormeceu, certa de que o Sol o traria de volta, todos os dias.

Monica San

04 setembro, 2009

Nada de nada








Non, rien de rien,
non, je ne regrette rien.

Ni le bien qu'on m'a fait,
ni le mal, tout ça m'est bien égal.

(Non, Je Ne Regrette Rien - Piaf)










Sentia-se tão cansada que as pálpebras pareciam carregar pedras. As mãos trêmulas não governavam mais as agulhas, e o tricô nunca chegava ao fim. Os lábios ressequidos e sensíveis já não se davam aos sabores fortes e encorpados como era de gosto, e a boa e velha pimentinha era coisa do passado. As lembranças já amareladas ou dependuradas pelas paredes eram companhias silenciosas e por vezes, intrusas nos seus momentos de solidão consentida. Insistiam em não deixá-la em paz, mesmo sabendo que escolhera terminar seus dias assim.

Foram anos de espera, mas ele nunca veio.
Abriu o baú empoeirado, guardou o tricô, as agulhas, os quadros.
Praguejou contra cada um deles: fodam-se! Fechou o velho baú, acenou uma banana, e desceu as escadas.
Degrau a degrau, alisando o corrimão com certa calidez, sorriu.
Impossível não lembrar-se.
Boas lembranças! Aquelas sim eram dígnas das paredes em marfim clarinho, tão bem conservadas e adornadas pelas luminárias francesas de extremo bom gosto (escolhidas a dedo pela mãe, neta de franceses e de uma delicadeza incomparável).
Mas quem haveria de registrar suas peripécias pelo corrimão? A velha câmera trazia consigo apenas as "boas" lembranças de família. Ao contrário, ocupavam-se todos em castigá-la com aves-marias, ladainhas, e salve-rainhas, pela fornicação na escadaria.
Desceu sorrindo, sentia-se bem por estar finalmente sozinha.
Ele não veio, nunca. Embora jamais tivesse perdido as esperanças.
Por vezes sentiu-se penetrada de uma forma incompreensível, sentia o peso do corpo sobre o seu, o apetite, os poemas de amor sussurrados ao ouvido, o gozo derramado em seu leito. Acordava nua, plena, leve. Sempre sozinha.
Corria para a velha escrivaninha e registrava tórridas histórias, suas fantasias solitárias, sentia-se compensada pela espera. Pensava que, ao menos produzia bons trabalhos e talvez isso tivesse valor algum dia.

Ao pé da escada ergueu novamente os olhos e reviu a cena.
Escorregava de bruços, ainda com o uniforme do colégio (saia azul marinho, meias três quartos, camiseta branca), protegia os  pequenos seios com os braços e descia.
- Ah, que lindo! - sussurrava o primo, bem baixinho, lá embaixo.
E suspirava encantado escondendo com os cadernos o volume que se formava debaixo da calça azul marinho. Podia-se notar o brilho nos olhos e a cara de bobo. Riu-se.
Na velha vitrola, Piaf lhe fazia companhia.
Sentiu-se úmida, sentiu-se viva.
- Talvez ele estivesse ali o tempo todo.

Monica San

Oralidade

Procuro no céu da tua boca
metáforas perfeitas
que traduzam a tua língua

Dos pronomes possessivos
me livro num beijo longo
e na acidez da saliva

Hoje,
nossa oração é subordinada
entoada num cântico tântrico
e ao sabor de Baco.

Evoé!

*********************************************Monica San

Contador de histórias infernais


Beijo-te
engulo a fala
conto histórias

de línguas
e de almas

uma, duas, três

trespassada
no teu corpo
parasita
do teu fogo

meu inferno.

Monica San

Cria


Caí da própria altura
ao tentar tocar o céu

desfalecida, sentenciei-me
às quimeras.

Deixei de crer em anjos
agora alimento feras.

Monica San

Preamar



Lua imensa, cheia, carrega na perfeição de sua forma toda a beleza de um bucho em pleno gozo fecundo. Prenhe de amantes que em sua órbita depositam olhares libidinosos, urros, uivos e a sanha de corpos em chamas.
Reverbero à sua sombra, cálida e alucinante, vazo e estravazo em rompantes lunáticos.
Torno em loba a mulher quando a maré sobe, e uivo em sua direção como a tomá-la por cúmplice dos ardores que me castigam.
Vou aos confins de céu e inferno, e espero.
Pela próxima cheia, pelo uivo alucinado dos amantes, por um lobo faminto... que me faça presa na sua orbe.

Monica San

07 agosto, 2009

Ouro de mina - desde 23 de agosto de 1935

Perco meu olhar, disperso nos galhos torneados rusticamente pelo que há de mais sublime e sábio no mundo, as mãos de Deus.
Do tronco robusto e tão imenso quanto meus pensamentos saem as longas e violentas raízes. Sólidas testemunhas do tempo e da imponência da natureza sobre o homem. Não há palavras muito menos erudição em seus galhos e suas folhas, mas, ao sabor do vento há melodia, uma bela melodia que inunda e faz verter toda a tristeza que pesa dos meus olhos.
Uma canção triste que me faz pensar no quanto temos em comum, eu e aquela árvore centenária.
Não que eu me pareça com ela, pelo contrário, não me sinto à altura do menor de seus galhos, mas sinto que a conheço intimamente.
Perdida em meio à uma floresta de cimento armado, ela se destaca pela beleza, pela grandiosidade do silêncio que ensina, e pela resistência das suas raízes num chão que não quer mais sustentá-la.
Insiste em impor-se a despeito de todo sofrimento, como se quisesse doar sua sabedoria em troca apenas de tornar o mundo menos sofrível.

Minha mãe é minha árvore centenária, meu exemplo, minha força.
Presa às suas lembranças atrelada à uma cama, ou sobre as quatro rodas de uma cadeira, ela se impõe. Estende seus galhos e nos oferece sua sabedoria apenas num olhar. Não nos permite fraquejar em nenhum momento, trás nos seus setenta e tantos anos e na pouca compreensão que ainda lhe resta toda a sabedoria de uma vida. E nos ensina a ter fé e não deixar de caminhar, mesmo que seus pés, suas raízes, não lhe possam levar à lugar algum.
Por mais que eu chore, em nenhum momento me permito desistir. Não suportaria olhar em seus olhos e vê-la desistindo de doar-se por não sermos capazes de absorver as únicas coisas que nos tornam mais fortes do que nossos próprios medos.
Sua força e o seu amor.

Próximo ao dia dos pais, escrevo sobre minha mãe.
Porque é nela que encontramos forças, e é por ela que meu pai resiste aos seus medos e suas tristezas, hoje, tão frágil quanto uma criança sem o colo de sua mãe.

Como diria Djavan: "Pai e mãe, ouro de mina..."

Monica San

Hoje, mais do que nunca, é meu exemplo de vida... são 74 anos do mais puro amor, e de tanta fé que suplanta qualquer dor. Amo mais do que tudo nessa vida... Parabéns mamãe!!!


04 agosto, 2009

Diálogo com a morte





















- Ora, bem sei das sementes fracas que joguei em terras inférteis enquanto tratava de arder meu corpo em leitos de outrém, e provar dos sabores proibidos. Sei dos espinhos que plantei e das pedras que cultivei, até que se voltassem contra mim fazendo-me sangrar com gosto amargo e cheiro de excremento fresco.

Por que então ainda me olhas, quase piedosa, como se não merecesse tuas mãos pesadas e teu beijo fervente que me arrebatem de vez desta vida imunda e fria?

- Como me julgas? Castigo ou alento?

- Castigo, por certo! Acaso não sois o fim de toda uma vida, a expiração do tempo, a sentença do mau pagador?

- Então julgas-te indígna do tempo para que te arrependas do mal e cultives boas sementes?

- Estou cansada. Desperdicei minhas energias em caminhos que não me levaram a lugar algum e ainda deixaram-me os pés carcomidos pela vasta aridez.
Sinto-me um andrajo ambulante.

- Queres descanso? Queres deleitar-se à minha sombra e ainda julgas-me castigo?
Castigo é o que terás, pois sim, mas em vida.
Ainda há muito o que colher, pedras, espinhos e paixões.
Deixa-me (a mim) em paz, alma sem parada!

- Sentencias-me com o sabor amargo da vida, e com a tortura das paixões vazias quando só o que desejo é sentir o corte da tua lâmina?
Bem dizem que és cruel e impiedosa. Veste-se de negro e seduz. Seduziu-me feito uma dama de luxo, mas não passa de ave de mau agouro que se debruça sobre a carniça e espalha a fedentina pelos ares.
És uma praga maldita!

- Pobre alma, inquieta e atormentada. Sabe nada sobre a vida e menos ainda sobre a morte. Dorme infeliz, dorme, mas longe dos sonhos, que eles te fazem ainda pior.

Ô praga! Não é a toa que te chamam poeta.


Monica San

02 agosto, 2009

Marias

Estranhamento

Olhei com horror a sombra negra que manchava o quase verde, tantas vezes iluminado pela gana de viver. Fitei os longos fios brancos, que se espalhavam rapidamente sob as lembranças, as
angústias, e os sonhos empoeirados e perdidos no meio de tanto lixo acumulado.
Tentei em vão arrumá-los, escondê-los, mas destacavam-se sobre o pouco viço que restou de um
tempo menos árido.
Vi as águas represadas a duras penas, neste tempo, escorrerem por vincos prematuros e profundos.
E senti estranheza, e solidão.

Já não havia brilho, nem verde, nem viço... apenas o reflexo vazio, de um olhar morto. Decidi sepultar as lembranças e abracei-me com força.
Dos meus braços penderam quilos e quilos de culpa.

Cansada, resolvi comprar um espelho novo.

Monica San

22 julho, 2009

Sem contento

Aqueço as minhas pernas

no fogo das tuas letras

escorre entre elas

o verbo que te retesa

no verso que intercala

o falo que te condena

perdido na minha fala

que cala mas não contenta

que sorve

que traga

e tara

teu fogo nas minhas ventas!

Monica San

Em silêncio

Percebe...
engoli o ar
estanquei o riso
apaguei o sol do meio dia
e mergulhei no teu silêncio

anoiteci a braçadas
sob tuas ondas que ecoavam
e aquebrantavam meu corpo
semi-morto

não havia gritos, gemidos, nem urros
nem vida mais havia
só a maresia
que acalentava teu corpo cansado.

*************Monica San

Pés descalços












PÉS DESCALÇOS

Revela-se na falsa transparência
a pura ausência...
um nada, que aos olhos alimenta
Mas à alma, refúgio da essência
reflete em traços rasos
um tudo que aparenta.
Há de ser cacos
um passado estilhaçado
e sangrando
há de compor um novo traço
E de presente,
novo reflexo se faça
num rastro natural de pés descalços.

Monica San
Foto: Sebastião Salgado

(In)completo

O peso do teu corpo
crava as minhas vontades
Dentro,você é pedra encrustada
é parte de mim
é pérola
é sal
é marfim

Dentro,
você é fonte que jorra
é água que sacia
é mar que me arrebata

É o infinito que me ganha,
que me arrebanha
e num sobrevôo tresloucado
eu, sou um albatroz errante
buscando no teu corpo cansado
a parte que falta
(que ainda falta)

a magia...
que tempera a vida.

Monica San

28 junho, 2009

Quarto mistério


Quarto mistério

Abaixo de zero
eu rio, sorrio, espero
eu zero
as contas e às tontas
desespero
Abaixo de zero
coração sem contas
terço sem reza
num quarto
mistério
Fria é a faca que corta e fere
frio é o corte que sangra o quente
que corre em vertente
marcando a pele
na agonia latente de quem
sempre espera
exaspera
e sente
Quente...
teu corpo fremente
me estanca
me salva
me queima
me esgota
abaixo de zero...
me eleva, aquece e conforta
Num quarto crescente
coração é mistério
é reza que cessa
a alma doente.

Monica San

Entrega

Calo no teu corpo a boca da noite
quando o calor da tua pele
é, da alma minha, o açoite.
E no silêncio do meu corpo castigado
pelo teu, em mim cravado
adormeço a solidão dos meus dias
e me esqueço...
como quem sonha acordado.

Monica San

Horizonte viril

Cavalos de fogo percorrem velozes
um céu que se estende à um olhar pueril
são línguas sedentas que buscam teu corpo
olhar que vislumbra um horizonte viril.

Ao longe, desnudo, estende-se em leito
entregue ao contento do mais puro ardil
Cavalgam velozes teu corpo perfeito
os meus pensamentos, meu corpo febril.

Tocar teus intentos, roçar tua verve
beijar tuas trilhas beirando teu mar
fazer que teu veio aos poucos se enerve
desejos insanos de quem sabe amar.

Cavalos de fogo no teu horizonte...
teu corpo é meu porto, teu jorro minha fonte.

Monica San

Em tempo

Tenho maculado minhas "ricas" horas
com a branquidão cruel do vazio.

Por maiores que sejam os pensamentos
sinto como se fossem tão vagos
quanto a certeza do dia seguinte.

Por maiores que sejam os sonhos
sinto como se não fossem merecedores
de versos, rimas, ou de um discurso poético
que valha fechar os olhos sem culpas ou medos.

Por melhores ou piores que sejam meus momentos
não os sinto capazes de compor um poema
de estenderem-se num lirismo contemplativo
capaz de iluminar e tocar os olhos alheios.

Sinto que meus versos estão secos e retorcidos
feito a paisagem do sertão, castigado pela ausência
ausência de água, ausência de vida, ausência de Deus.

A areia escorre...e o tempo se transforma
num grande e solitário deserto.

Penso, que talvez haja um abismo
entre o poeta e sua inspiração
um abismo que ensina que é preciso olhar além
que é preciso acreditar que o impossível não existe
e apostar naquilo que não se pode tocar
mas que se pode sentir.

É preciso não temer o infinito (esse desconhecido)
e deixar que a poesia crie asas
para transpor o abismo.

Monica San

Traço (in)certo

Há muito que cedi meu corpo
doei minha alma
entreguei meus olhos
e das minhas mãos incertas
fiz a certeza do traço
que me traduz no descompasso
que me conduz no desenredo
que me perfaz no "ex-passo"
e me desfaz.
Sou a anti-matéria
do que antes foi peso (morto)
sou etérea e sou elementar
quando traço (incerta)
a linha imaginária
que me refaz
num ponto qualquer
do (uni)verso.

Monica San

01 junho, 2009

[Con]trato

[Con]trato

Agoa a minha boca
o gosto da tua língua
Salivo no teu palato
a fala que intercala
o falo que em mim resvala
Selando este contrato
no trato em que a tua tara
me esgota e me deixa à mingua.

Monica San

O som do mundo

O som do mundo me atormenta.
São tantos os gritos e gemidos
confusos entre a agonia e o prazer
são tantas palavras e linhas cruzadas
desplugadas de nexo
atormentadas na linha do tempo
que insiste em seguir contando
cada micro-segundo
de contratempos
descaminhos
e desalinhos.

O som do mundo me confunde
São vontades proibidas
maldades permitidas
sonhos mal dormidos
entre acordes mudos
mentiras mal-ditas
e verdades mentidas.

O som do mundo vem do fundo
De uma vontade desmedida
de ser nada, que valha
em meio à esse tudo absurdo
que me ensurdece e cala.

Monica San









09 maio, 2009

Calafundo, calafrio

Cala fundo o frio na alma
C
A
L
A
F
R
I
O
que fere e afunda
Intercala a fala muda e muda
em eco, o grito que inunda

A
P
R
O
F
U
N
D
A

e ressoa
n'alma desnuda e fria
eco de alma vazia
que é

V
A
G
A

na vaga da poesia.

Monica San

Salivação

Há uma pertinácia corrosiva e irritante
que me impulsiona a desvendar
o "sexo" do mundo
Qual o ponto G do "ser" humano?
Em que ponto exato minha língua
lasciva, libertina e abusada
tantas vezes calada por outra(s)
seria capaz de despertar e desvendar
os mistérios escondidos
os segredos corrompidos
as verdades veladas?
Escancarar vergonhas e pecados
e traduzir um idioma semi-morto
escondido, abafado, renegado
em nome de conceitos e preconceitos
que forjaram na língua do homem
o calo, no falo da fala
que se cala, se contém, e não intercala
amargando a língua
contendo o gozo
matando o verbo
antes de ser fecundado?
Onde se esconde o ponto
que faria o mundo gozar em coro
que faria o prazer ser um eco só
que faria o sangue jorrar sem dor
num coito permitido e declarado
(por amor)
entre a vida e o homem
entre o homem e Deus?
Meu prazer (agora) busca o teu
no teu verbo...conjugo e te traduzo.
Minha língua saliva...o sexo do mundo!

Monica San

"La habanera"

Ah, que me venha a morte!
Mas não sem antes, a boa sorte
de enredar no ventre tantas vontades
matar nos lábios tantas saudades
calar nos seios falsas verdades

Que a morte venha serena e breve
num beijo cálido
num sopro leve
ou venha logo num fio de adaga
cravando o ventre
sangrando a mágoa

Mas não sem antes de amar aos fardos!
Doar meu corpo a tantos outros
e dar guarida a tantas línguas
fremindo a fenda que não contenta
calando a fala, amando em bicas.

Que venha pois o gozo profundo
num eco esdrúxulo de um fim de coito
E a morte seja só o conforto
de quem sorveu todo o amor do mundo!

Monica San

"O amor é filho da boemia
e jamais se sujeitou à leis
se não me amas, eu te amo
mas se eu te amo, se te amo
toma cuidado."
Trecho da ária Habanera, da ópera Carmem, de Bizet.


11 abril, 2009

Gota a gota

Gota a gota escorres em mim!
Percorre por entre meus seios
corre em direção aos meios
e mata tua sede sem fim!

Gota a gota te trago pra mim!
Sorvo tua seiva num trago
Num rasgo me entrego, me abro
te marco do meu carmim!

Gota a gota...assim
Escorre, percorre, sorve
afunda, me inunda, abunda
dentro! Contento sem fim!

Monica San

Celebração

De todas as vidas que vivo
e dos amores que amo
de todas as bocas que beijo
e dos poemas que declamo

sorvo o prazer de um sorriso
sugo verdades não ditas
devoro vontades veladas
absorvo palavras bem-ditas

De cada linha que escrevo
e de todo gozo jorrado
de cada grito sofrido
e de todo amor exaltado

deixo escorrer meu contento
de a alma não ser embotada
do frio que fere a gente

mas ser de amor carregada
de vida sempre adornada
e de sangue que verte quente!

Todas as lágrimas derramadas
e as noites mal dormidas
as madrugadas amargas
e as palavras mal-ditas

torno no leito aquecido
e no peito do homem amado
um sorriso agradecido
pelo tempo acalentado

E intercalo a minha língua
na boca da madrugada
num beijo celebro a vida
num gozo me sinto amada!

Monica San

(clique na imagem para vê-la em tamanho original)

31 março, 2009

Amar, ato único

Preciso de um tempo pra um mergulho!

Abrir-me em vôo livre nessa infinitude
que me traga e faz de mim uma estranha
dentro do meu próprio ninho.

Fiz das dores que me sangravam o peito
versos cravados nos olhares mesquinhos
que tentavam desnudar-me cruelmente

Fiz das madrugadas negras e solitárias
linhas tecidas em pura melancolia ou
ardorosas, ousadas, e deliciosamente lascivas.

Ironizei e satirizei a miséria que me rondava
em poemas metrificados, sonetos bem talhados
e ri do meu próprio sarcasmo, satisfeita.

Declarei amores impossíveis e equivocados
só pelo gosto de sentir-me plena, transbordante
como só quem ama é capaz de sentir-se.

Mas agora, que as dores já não sangram
que as madrugadas já não são tão vazias
nem a miséria ou a mesquinhez do mundo
são capazes de me tirar o sono e a calma

e, que já não amo equivocadamente
mas por outra, o sinto (o amor) plenamente
curiosamente, faltam-me os versos.

Ou será que me sobram?

Sei,
é que tem um sorriso bobo estampado no rosto
de quem deixou a poesia transbordar
e se fez poema, no simples ato de amar!

Monica San

Prenhez de poeta


Acendo e apago as luzes do meu dia
com a força da verve que me compõe poeta
Adormeço o Sol quando seu fogo me exauri
fazendo arder as vontades de fartos oásis
que não podem saciar a minha sede
pois não alcançam mais do que os meus olhos.

Deixo que o Sol se resguarde do meu apetite
e das minhas vontades, que também o exaurem
E desenho noites escuras, sem brilho de estrelas
mas com a solidão da lua que se faz cúmplice
dos desmandos e desvarios de poetas e loucos.

Segredo a ela os pensamentos mais funestos
os desejos mais inconfessos, os devaneios mais absurdos
E, numa cumplicidade declarada, colho de seu brilho
pálido e insólito, a energia que me refaz.

E refeita, reacendo o Sol...amante voraz de todos os meus dias!
Que me penetra o ventre com seus raios de fogo
e me torna prenhe de amor, de vida e de poesia.

Monica San

In natura

Nas linhas que te compõe
perdi o rumo da minha prosa
Mareada pelos teus desvelos
errei a rima, perdi o verso
num caminho controverso
sequei a inspiração que jorrava
quando do teu jorro me fartei!

Sugaste-me as palavras
com o fervor da tua língua
e aninhado entre meus seios
desnudou-me os segredos

No abrigo do teu corpo
sou poeta em afasia
sem rima, sem verso
sem prosa nem poema...

só gozo

só tua

só poesia.

Monica San

Poeminha acanhado

Todo sangue vertido em dores
todas as dores sangradas em versos
todos os versos que fiz em prantos
e todo pranto...agora é encanto!
No meu sorriso que enfim se abre
saudando a vida que em mim não cabe!

Talvez não dure mais que uma chispa
de Sol ardente a iluminar
um dia novo, uma nova vida
que pulsa em mim, querendo vingar!

Talvez não tenha a inspiração
que transbordante faz encantar
talvez não seja tempo de glórias
mas só um tempo pra maturar...

E ser semente de boa nova
só com sorrisos pra alumiar!

Monica San

15 março, 2009

(S)em segredo



Tão úmidos e túmidos
teus lábios segredam meu fado
Entreabrem-se ao meu paladar
salivando desejos
aguçando-me beijos
sussurrando desvelos

Doce sabor que me tesa
fazendo da língua, presa
no farfalhar sem destreza
que deixa escapar
sem defesa
teus desejos perdidos
nos ensejos dos seios
que te acenam entumecidos

Doce incerteza no ensejo
das mãos que percorrem as fendas
do olhar nu, que me desvenda
dos pelos que roçam veredas
por onde adentras
teu corpo contentas
e enreda nas minhas sedas.

Doce (e cruel) sabor da espera!
Que venhas aos meus desvelos
locupletando-me os meios
e segredando-me enfim os teus beijos!

Monica San

07 março, 2009

Divagando...

Tenho sentido medo dos olhos mesquinhos do mundo...medo, que o meu amor não resista e eu me torne um deserto.

Monica San

06 março, 2009

Dia internacional da mulher, dos sonhos e das conquistas femininas


O Homem é um ser inquieto e naturalmente curioso. Desde os primórdios da humanidade os mistérios da vida e do universo são matéria de estudos profundos e teorias das mais diversas.
O pensamento científico contrapõe-se ao pensamento religioso, o homem torna-se observador e observado, e a vida gira em torno de perguntas e questionamentos acerca da nossa origem.

O que não se pode negar, é que, tanto para as religiões quanto para a ciência, a mulher guarda consigo o que talvez seja o maior mistério do universo.
É ela quem gera a vida, é através dela que a vida humana é preservada durante o tempo certo para florescer. É ela quem faz germinar a nova semente e a traz à luz.

E a história mostra, que ser o templo guardador desse mistério fez da mulher um ser temido, muitas vezes sacrificado, subjugado e desvalorizado.
A mulher é, segundo a socióloga Days Elucy Siqueira, "o único animal capaz de sangrar por dias, e tornar-se ainda mais forte".
Conhecedora dos mistérios da natureza foi por muito tempo caçada como bruxa, hereje, feiticeira. Representava um poder natural, capaz de subjugar o poder e a inteligência do homem.

Já fomos caçadas, queimadas em fogueiras, tornamo-nos através do poder capitalista meros animais domesticados, usados como exemplo de dominação e força para manter a hegemonia e o statu quo de um poder baseado em falsos valores morais e carregado de hipocrisia. Usadas como objeto de prazer fácil, como instrumentos de manutenção dos costumes machistas por muito tempo respeitados como parte necessária à educação do homem.
Já vivemos os extremos da racionalidade humana, da sabedoria natural da "Bella dona" ao conhecimento empírico e arrancado a fórceps nos movimentos feministas, (surgidos ainda na expansão do capitalismo) através dos quais conseguimos, nas lutas por igualdade social, começar a ser respeitadas e valorizadas não apenas como mulheres, mas especialmente como seres humanos.

Hoje, ainda vivemos as desigualdades relativas ao gênero. Salários menores, menos oferta de emprego em determinados setores, pouco espaço na vida política, porém, os movimentos feministas agora mais estruturados e com mais força ainda lutam por igualdade e justiça para a mulher.
Como todas as conquistas da humanidade, a luta por igualdade entre homens e mulheres é lenta e sem tempo certo para terminar. Se é que terminará um dia.
Mas o que de fato importa, é saber que hoje apesar de sangrarmos e sofrermos ainda, já não seremos queimadas em fogueiras. E, que aquelas que foram, nos tornaram ainda mais fortes e decididas a mudar o rumo dessa história.

E também, que comemorar o dia internacional da mulher não é uma questão de mostrar ao homem a superioridade da mulher, mas ao mundo a capacidade que temos em superar as dificuldades, e olhar para a história com a ternura natural do Ser feminino sem tomar-mo-nos de ódio ou rancor, mas enchendo-nos de coragem e determinação.
E que nunca, jamais, deixaremos de sonhar com o dia em que homens e mulheres junto, poderão celebrar a única diferença que realmente importa. E, a única capaz de tornar-nos, unidos em nossas diferenças (sendo um só) na concepção da vida.

Monica San

Foto: Miguel Cebolas - galeria Olhares.com

26 fevereiro, 2009

Albatroz errante

Gritei sem eco um grito esquecido
chorei em vida por não ter vivido
busquei no amor a verdade escondida
mentindo amores perdi a partida

Sou albatroz desses mares, errante
sou caçador, minha presa sou eu

Um albatroz em seu vôo rasante
buscando a parte que o todo esqueceu.

Sangrei as dores de um parto sem filho
falei de amores num palco vazio
singrei os mares de mil tempestades
calei mil vozes, sangrei cem saudades

Sou albatroz desses mares, errante
sou caçador, minha presa sou eu

Um albatroz em seu vôo rasante
buscando a parte que o todo esqueceu.

Um dia parto num vôo rasante
faço de um grito meu eco gigante
rasgo as cortinas do céu num rompante
encontro a parte que em mim se perdeu!

Sou albatroz desses mares, errante
sou caçador, minha presa sou eu.

Monica San

(Clique sobre a imagem para visualizar no tamanho original)

23 fevereiro, 2009

Elegia


Eu quero é botar o meu bloco na rua...

Tenho tentado aprender o que significa ser de fato uma escritora. Não que eu não saiba qual a importância da literatura em nossas vidas, e mais, a importância da língua na vida de cada ser humano. Mas, individualmente, particularmente, há uma diferença grande entre saber o que significa e realmente vivenciar isso na pele.
Muitas vezes a quantidade de informações e assuntos que podem ser abordados é tão grande e diversificada que forma-se um emaranhado confuso e difícil de ser organizado em nossa mente.

Escrevo poemas, sou substancialmente poeta (ainda em fase de construção), mas sem hipocrisias do tipo "eu não sou poeta" ou "poeta? quem me dera?", não, isso seria ridículo. Sou porque me sinto assim, gosto e quero ser, a despeito de ser ou não considerada poeta por quem de fato o é. Acredito hoje, que ser poeta é mais do que um título ou conceito, é um estado de espírito, é uma forma de ver a vida que não se limita ao espaço alcançado por meus olhos, que transcende o espaço físico, que penetra a alma ou ao menos busca isso, e busca justamente por acreditar ser capaz.

Mas acredito realmente ser capaz de ousar ainda mais. Acredito e quero ser uma escritora de fato. E por onde eu começo? Quais os caminhos que devo trilhar? Onde buscar conhecimento suficiente pra ser reconhecida e respeitada? Em livros, jornais, revistas? Estudando, afundando-me em prateleiras de bibliotecas?
Ou talvez observando a vida, tentando conhecer melhor o ser humano, e a mim mesma, tentando entender como funciona essa imensa esfera azul e essa coisa chamada Homem, tão complexa, tão controversa, tão inconstante e que ainda não aprendeu a cuidar daquilo que ele pensa ser seu, mas não é.

É, é assim que pretendo ser escritora. Não hoje, não daqui há um ano, mas em todos os meus próximos dias. Absorvendo tudo o que me for possível, falando muito, e ouvindo ainda mais, ora errando ora acertando, sendo consciente e atuante naquilo que me torna cidadã, sendo política mas também poeta. Sendo eu mesma mas sem deixar de ser todas as outras personagens que me dão vida quando escrevo e acredito ser capaz de mudar o mundo.

Hoje, eu sou uma alma inquieta e angustiada. Decepcionada com a falsidade do ser humano, indignada com a hipocrisia de políticos e poderosos, revoltada com a impunidade que impera nesse país que eu tanto amo. Mas acima de tudo, insatisfeita comigo mesma por não fazer a diferença que gostaria, por dormir demais e não estar atenta ao quintal da minha própria casa, por me calar quando deveria falar e não ouvir quando deveria ouvir, e principalmente, por ser fraca quando deveria ser forte e por chorar quando deveria gritar.
Mas decidida a desatar todos os nós que esganam a minha garganta!

Monica San

(A expressão usada no título é tirada da música de mesmo nome, composição de Sérgio Sampaio)

17 fevereiro, 2009

Natimorto

Vazio e pálido é o leito
donde as palavras hoje não repousam
Secas e quase sem razão de ser
afundam-se no mais profundo exílio

Natimorto sem pátria ou origem
sem destino útil ou futuro
revolvem o útero mas não vingam
tornam-se excremento, fruto impuro

Fecundadas no prazer do absinto
que do amargo torpor eu já nem sinto
nem peso nem fedor das tais promessas

Viessem irromper o negro bucho
assim, de amor e de beleza carregadas
num parto que apartasse as horas vagas
vazias e supérfluas nasceriam

Pois, que ao tocar a imensidão do frio concreto
desterradas do calor que são fecundas
morreriam na vontade de ser gozo

Deixe então que permaneçam vãs, profundas
mas que expurguem a agonia desse corpo
ao tornarem-se dejectos d'um desejo
que jamais tocou-te os lábios sendo beijo

E que morram (enfim)...sem jamais terem jorrado!

Monica San








Lassidão

13 fevereiro, 2009

Dionisíaco

Boca que amaldiçôa, boca que esbraveja
boca na tua boca...Baco que nos proteja!

Se o vinho que vem da vinha é vida
e a vida que vem da orgia é vaga
a boca que a tua boca beija
num trago te sorve a língua, e traga!

É praga que pega fogo, é lava!

É língua que lava a alma e cala
é Boca que quando cala age
é praga que se propaga e verte
no verbo dos versos du Bocage.

Boca que amaldiçôa, boca que esbraveja
boca na tua boca...Baco que nos proteja!

Beijo que morde a fala, boca que interage
membro que intercala! Valha-me du Bocage!

Monica San







11 fevereiro, 2009

Desperdício

Às vezes tenho a sensação de estar gastando os meus melhores sorrisos, tão escassos ultimamente, iluminando vãos que não carecem ou por outra, não merecem alimentar-se de luz.
Meus abraços, já tão cansados, parecem estender-se em vão. Abarcando indiferenças e alentando a frieza das pedras.
Minhas mãos parecem acariciar espinhos...sangram em feridas abertas, antes que meus olhos alcancem as flores. Nem mesmo sei se há flores entre eles.
Tenho tocado com os lábios os olhares mais distantes, os sentimentos mais superficiais, as verdades mais cruéis.
Creio que me ensinaram a acreditar em Deus, quando deveriam ter-me ensinado a duvidar do homem.

Monica San

08 fevereiro, 2009

Soneto sacana

Da morte sempre temida ele zombava
queria sugar da vida o que lhe coubesse
que um féretro de responsa ele pagava
pra hora em que a derradeira enfim viesse.

Filósofo catedrático, boa casta
sonhava com os mistérios que vislumbrava
da morte tornou-se logo um entusiasta
enquanto na cana pura se embriagava.

O terno todo de linho já engomado
pisante italiano e pulmão inchado
o fígado carcomido nas carraspanas

entrega a sua vida o doidivanas.
Na lápide a inscrição de algum sacana
"Morreu de curiosidade mais um bacana!"

Monica San

Putrefacção

Tem um barulho infernal no meu silêncio sepulcral.
Acho que são os vermes fazendo o lanchinho da tarde.

Quem disse que os sentimentos
não se decompõem?

Monica San

Da falsidade que azeda minha língua


Tão ácidos quanto o suco ulceroso
que corrói as paredes estomacais
são os versos controversos que destilo
contra o ardil da tua farsa absurda

Não destino minha rima rasgada
a uma linha sequer do teu roteiro
não desentranho sentimentos nobres
para matá-los no teu palco grego

Não faço parte dessa tua tragédia
e não dôo minha arte à vendilhões ladinos
Da falsidade de que é feito teu brilho
quero o lustro, que trate a minha couraça

Contra ti, verme pútrido de ínfimo valor
destilo meus piores venenos
porque os melhores, curtidos em bom tempo
guardo como antidoto, contra teu olhar de pedra.

Monica San

Soneto Trágico

De um sentir tão descuidado fez surpresa
resvalando em tua foz os meus anseios
D'um querer atormentado de incertezas
fez a vida que me aparta e parte aos meios.

Sangro o corte desferido no esquerdo
ao direito lado posto e contraposto
se é errado o que sangra agora o peito
que direito tem o certo em contragosto?

Taquicardia que acelera e destempera
na sudorese que alucina ao pressentir
uma overdose dessa droga que me erra
num prognóstico de vida a se esvair.

Se é a morte o fim trágico do amante
nessa tragédia teu amor me fez errante!

Monica San

Soneto indeciso

Partindo-me ao meio agonizo em dores
parto que reparte meus cálidos anseios
ou mato esse amor, e livro os temores
ou deixo-o viver ardente entre meus seios!

Se trago desse amor até a gota ínfima
me perco embriagada no teu corpo úmido
insana lucidez confusa em verso e rima
querência de prazeres do teu membro túmido!

Se mato e desentranho esse amor tão lúbrico
me perco no vazio da ausência tua
perdida me encontro no teu jogo lúdico

em fuga distancio de buscar-te o corpo
mas caio em armadilha e me sinto nua...
não há como matar a parte que é meu todo!

Monica San

Soneto em clamor à morte

Dor que habita esse meu úmido olhar
que faz romper os laços dos meus medos
te peço que não deixes escapar
toda essa morte presa entre meus dedos

Oh! guardiã de todos meus segredos
te rogo que me venha abençoar
por sede a boca cede e eu também cedo
à noite que insiste em me abraçar

abarca-me nos braços taciturnos
penetra com tua palma a minha alma
inunda-me de ais e de esturros

que seja o breu da noite o meu leito
que finde nos teus braços minha calma
e que a morte me abrande enfim o peito!


Monica San e Lucas de Oliveira Gullar

Redenção

Preciso de uma morte pra curar o tédio.
Buscar nessa amplitude, o fim da imensidão...
Que um gole de veneno seja o meu remédio
na taça que transborde enfim a solidão!

Da falta de sentido, me livre a ingratidão
dos vermes que me cospem nesse sacrilégio!
Das culpas que me castram na expiação,
que seja minha morte então seu privilégio!

Que seja ela o coro pra sua canção!
E vertam dessa taça todos os meus medos!
E a morte seja um mote noutra oração...

Da prece angustiada feita em aflição,
Sussurros entre os prantos, risos e segredos
Daquele que apunhala o próprio coração!

[Monica San e Lucas de Oliveira Gullar]

Dissecação

Amaldiçoo esse verso parido
regurgitado do bucho e cuspido
Amaldiçoo esse verbo encardido
desconsolado e da língua banido.

Desassocio essa fala eloquente
que me confere esse tom prepotente
Desaproprio esse ar de contente
desse sorriso de gozo presente.

E sangro um parto de dores cravadas
e verto fel dessa alma amarga
e morro tanto, em tantos sabores

se morro sal, no meu mar dissabores!
Se morro mel nessa fonte que seca
cravo essa dor, que minha alma disseca!

Monica San

(In)consciência

Quem és tu vulto sem face, ave soturna?
Lanças olhares de pedra na minha sorte
Fulguras por entre frestas inoportuna
espias feito abutre cheirando a morte.

Estocas teus olhos frios em minha pele
procuras entre meus seios a tua alma
vasculhas por entre os meios o que revele
as linhas que te delatem na minha palma.

Quem és tu, para despir-me e sem pudores
revelar-me os segredos e os pecados
desferir-me em duro golpe os desamores?

Te afastas agourenta, não tens medida!
És vulto atrás do espelho, renegado
és a negra consciência que me avilta!

Monica San

Catavento



Corre, corre, menino
me leva na tua mão
corre contra esse vento
descalço, de pé no chão
Corre, corre, pequenino
deixa o vento me tocar
se enreda nesse meu giro
que o vento leva a tristeza
bota um sorriso no rosto
e faz essa vida girar!!

Monica San

Ilustração: Luciana Teruz

Pobre poesia

Perdem-se primas palavras
partem-se pensamentos perfeitos
pérolas para porcos
pérolas para poucos

parcos pedaços prevalecem

pobre poesia
padece petrificada.

Monica San

Sem a noite

07 fevereiro, 2009

Soneto da secretina


Ofício escolhido por prazer
de pernas que se cruzam no estilo
do tato no contato ao entrever
os olhos que eriçam o mamilo

Prazer do cumprimento com presteza
aberta às conjecturas do trabalho
servindo de deguste sobre a mesa
fiel e dedicada ao seu Carvalho.

Que riam as hienas do contrato
fechado e assinado noite adentro
selado em boa língua e fino trato

Aspones e hienas ao trabalho!
enquanto na fartura eu me contento
servindo e degustando o seu Carvalho!

Monica San

Ilustração: Renan Lima

Síntese

Não me procure em traços
ou formas agradáveis aos olhos
não há dignidade de artista
nos traços que me compõem

Sou um borrão do acaso
Obra órfã de hombridade.
Sou o refugo da inspiração
a paráfrase da imperfeição

Sou o estigma infeliz do mau traço
que macula num erro crasso
a folha virgem e o ventre são

Não me procure em traços
não me contenho em definições
Minha síntese é inconsistente
assim como suas traduções.

Monica San

Arco de Íris


Minha íris, menina, procura o tesouro
escondido no pé do arco dos sonhos
Mas a noite insiste em não amanhecer.
E ainda guarda pra si, os sonhos inacabados.

Essa menina, é Íris entre céu e terra...
de asas ao vento e de sonhos inacabados
E é virgem, da luz que os amanhece.

Por isso ainda sonha tesouros
e dorme ao relento da noite
que só faz amanhecer a mulher.

Monica San

Carn-aval

A avenida se prepara
na comunidade dispara
a bala, embala e abala
na avenida a porta
bandeira e o mestre sala
Vai a pé no tropé
fuzil, bala, camburão
pé no morro
samba no pé
vai puxando o cordão
repicando o enredo
no jogo de cintura
na cidade o medo
na avenida a mistura
sangue, suor e cerveja
alegria explode
bala craveja
É o carnaval que chegou
Foi o morro que sangrou
No Brasil da Globeleza!

Monica San

Imensurável

Qualquer micro-segundo desse tempo
desse meu tempo inútil
dessas minhas horas secas
desses meus dias ocos
qualquer milionésimo de um grão
que escorre nesse meu tempo vão
é infinitamente imenso.

É um buraco denso
sem fim, sem fundo...peso imundo
são horas carcomidas por vermes
doença galopante em estágio terminal
alimentada pela esclerose do tédio.

Qualquer tempo desse meu tempo
é imensidão, é vão profundo
é solidão...é vala, que enterra o mundo

Qualquer tempo desse meu tempo
é muito mais do que eu possa supor
é fim, que se sobrepõe à dor.

Monica San

Último ato

Encaro-vos, pois, pujante e destemida!
Sou, em vida, o que lhes alimenta a alma
sou o riso e o sarcasmo sobre o palco
sou as vestes que encobrem as feridas

Minhas dores são, aos vossos olhos secos
o ranço de um passado sem amores
aos dedos que me apontam os pecados
ofereço sob as vestes, as feridas e os ardores.

Enfiem vossos dedos no que resta dessa carne!
Vasculhem, farejem, cada palmo e cada palma
cuspam se quiserem sobre a sobra do que vale
que aos vermes que esperam, pouco cabe dessa alma.

Riam-se abutres! Com meus olhos joguem dados!
Banqueteiem-se das vísceras, bebam-me em taças
sôfregos, alucinados...arranquem-me a pele e os dentes
Mas meus seios...não, não os toquem, são doentes!

Seios intocados pelo amor tão desejado!
Que permaneçam assim...incólumes, virginais
doentes, desamados, hirtos...meus ais!

E assim, devorada sob a frieza do vosso olhar
e com os seios intactos como os de uma virgem
deixai cair o pano que encerra a minha história!

Não espero de vós aplausos tampouco glórias.

Apenas o fogo (ou o escárnio)
que acenda o meu último cigarro!
E da morte, espero o beijo...
que desflore enfim os meus seios

neste meu triste, e derradeiro ato.

Monica San

De amoras e de amores

No exílio do frio concreto
que teu corpo, do meu faz distante
o vento que a fresta corrompe
meu corpo fremente sustenta
com o hálito das tuas palavras

Há de chegar o dia
do não se conter à parte
do encontro à sombra, e das amoras
E a leoa por quem te assombras
te fará presa nas suas garras
Não te espantes com tal desfecho!

Deixe que ao pé da amoreira
sepultado, o amor de Píramo e Tisbe
(desventura de outrora)
torne-se então leito e adubo
de um novo porvir de amores
e de doces e rubras amoras.

Monica San
(poema inspirado na história de Píramo e Tisbe - mitologia grega)

Anjo da morte

Num esquife aveludado
macio e de carmim encarnado
ela se vê...

À sua volta
flores brancas perfumadas
o vestido de renda bordado
ás mãos o terço
de contas douradas.

Morta! Constata o fato.

Não sabe da hora ou do ato
do instante desolado
em que da vida despiu-se

Veste agora uma mortalha
é leito de pranto e dor
mas não sente...
tão leve, feito uma flor.

Tem ao seu lado um anjo
olhos da cor do mar
doce e terno acalento.

Morrer não é tão mau afinal
Sorri ao seu doce contento!

Os seios sente vibrar
os olhos lhe tocam
seu corpo responde
seu anjo arfante
deseja lhe amar.

O esquife torna-se leito
o anjo lhe cobre em beijos
e ali mesmo se amam!

Doce desvario aquele...
interrompido pelo tempo
tempo de despertar!

Do sonho. Doce sonho
que a morte lhe fez desejar!

Monica San

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