07 agosto, 2009

Ouro de mina - desde 23 de agosto de 1935

Perco meu olhar, disperso nos galhos torneados rusticamente pelo que há de mais sublime e sábio no mundo, as mãos de Deus.
Do tronco robusto e tão imenso quanto meus pensamentos saem as longas e violentas raízes. Sólidas testemunhas do tempo e da imponência da natureza sobre o homem. Não há palavras muito menos erudição em seus galhos e suas folhas, mas, ao sabor do vento há melodia, uma bela melodia que inunda e faz verter toda a tristeza que pesa dos meus olhos.
Uma canção triste que me faz pensar no quanto temos em comum, eu e aquela árvore centenária.
Não que eu me pareça com ela, pelo contrário, não me sinto à altura do menor de seus galhos, mas sinto que a conheço intimamente.
Perdida em meio à uma floresta de cimento armado, ela se destaca pela beleza, pela grandiosidade do silêncio que ensina, e pela resistência das suas raízes num chão que não quer mais sustentá-la.
Insiste em impor-se a despeito de todo sofrimento, como se quisesse doar sua sabedoria em troca apenas de tornar o mundo menos sofrível.

Minha mãe é minha árvore centenária, meu exemplo, minha força.
Presa às suas lembranças atrelada à uma cama, ou sobre as quatro rodas de uma cadeira, ela se impõe. Estende seus galhos e nos oferece sua sabedoria apenas num olhar. Não nos permite fraquejar em nenhum momento, trás nos seus setenta e tantos anos e na pouca compreensão que ainda lhe resta toda a sabedoria de uma vida. E nos ensina a ter fé e não deixar de caminhar, mesmo que seus pés, suas raízes, não lhe possam levar à lugar algum.
Por mais que eu chore, em nenhum momento me permito desistir. Não suportaria olhar em seus olhos e vê-la desistindo de doar-se por não sermos capazes de absorver as únicas coisas que nos tornam mais fortes do que nossos próprios medos.
Sua força e o seu amor.

Próximo ao dia dos pais, escrevo sobre minha mãe.
Porque é nela que encontramos forças, e é por ela que meu pai resiste aos seus medos e suas tristezas, hoje, tão frágil quanto uma criança sem o colo de sua mãe.

Como diria Djavan: "Pai e mãe, ouro de mina..."

Monica San

Hoje, mais do que nunca, é meu exemplo de vida... são 74 anos do mais puro amor, e de tanta fé que suplanta qualquer dor. Amo mais do que tudo nessa vida... Parabéns mamãe!!!


04 agosto, 2009

Diálogo com a morte





















- Ora, bem sei das sementes fracas que joguei em terras inférteis enquanto tratava de arder meu corpo em leitos de outrém, e provar dos sabores proibidos. Sei dos espinhos que plantei e das pedras que cultivei, até que se voltassem contra mim fazendo-me sangrar com gosto amargo e cheiro de excremento fresco.

Por que então ainda me olhas, quase piedosa, como se não merecesse tuas mãos pesadas e teu beijo fervente que me arrebatem de vez desta vida imunda e fria?

- Como me julgas? Castigo ou alento?

- Castigo, por certo! Acaso não sois o fim de toda uma vida, a expiração do tempo, a sentença do mau pagador?

- Então julgas-te indígna do tempo para que te arrependas do mal e cultives boas sementes?

- Estou cansada. Desperdicei minhas energias em caminhos que não me levaram a lugar algum e ainda deixaram-me os pés carcomidos pela vasta aridez.
Sinto-me um andrajo ambulante.

- Queres descanso? Queres deleitar-se à minha sombra e ainda julgas-me castigo?
Castigo é o que terás, pois sim, mas em vida.
Ainda há muito o que colher, pedras, espinhos e paixões.
Deixa-me (a mim) em paz, alma sem parada!

- Sentencias-me com o sabor amargo da vida, e com a tortura das paixões vazias quando só o que desejo é sentir o corte da tua lâmina?
Bem dizem que és cruel e impiedosa. Veste-se de negro e seduz. Seduziu-me feito uma dama de luxo, mas não passa de ave de mau agouro que se debruça sobre a carniça e espalha a fedentina pelos ares.
És uma praga maldita!

- Pobre alma, inquieta e atormentada. Sabe nada sobre a vida e menos ainda sobre a morte. Dorme infeliz, dorme, mas longe dos sonhos, que eles te fazem ainda pior.

Ô praga! Não é a toa que te chamam poeta.


Monica San

02 agosto, 2009

Marias

Estranhamento

Olhei com horror a sombra negra que manchava o quase verde, tantas vezes iluminado pela gana de viver. Fitei os longos fios brancos, que se espalhavam rapidamente sob as lembranças, as
angústias, e os sonhos empoeirados e perdidos no meio de tanto lixo acumulado.
Tentei em vão arrumá-los, escondê-los, mas destacavam-se sobre o pouco viço que restou de um
tempo menos árido.
Vi as águas represadas a duras penas, neste tempo, escorrerem por vincos prematuros e profundos.
E senti estranheza, e solidão.

Já não havia brilho, nem verde, nem viço... apenas o reflexo vazio, de um olhar morto. Decidi sepultar as lembranças e abracei-me com força.
Dos meus braços penderam quilos e quilos de culpa.

Cansada, resolvi comprar um espelho novo.

Monica San

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