26 fevereiro, 2009

Albatroz errante

Gritei sem eco um grito esquecido
chorei em vida por não ter vivido
busquei no amor a verdade escondida
mentindo amores perdi a partida

Sou albatroz desses mares, errante
sou caçador, minha presa sou eu

Um albatroz em seu vôo rasante
buscando a parte que o todo esqueceu.

Sangrei as dores de um parto sem filho
falei de amores num palco vazio
singrei os mares de mil tempestades
calei mil vozes, sangrei cem saudades

Sou albatroz desses mares, errante
sou caçador, minha presa sou eu

Um albatroz em seu vôo rasante
buscando a parte que o todo esqueceu.

Um dia parto num vôo rasante
faço de um grito meu eco gigante
rasgo as cortinas do céu num rompante
encontro a parte que em mim se perdeu!

Sou albatroz desses mares, errante
sou caçador, minha presa sou eu.

Monica San

(Clique sobre a imagem para visualizar no tamanho original)

23 fevereiro, 2009

Elegia


Eu quero é botar o meu bloco na rua...

Tenho tentado aprender o que significa ser de fato uma escritora. Não que eu não saiba qual a importância da literatura em nossas vidas, e mais, a importância da língua na vida de cada ser humano. Mas, individualmente, particularmente, há uma diferença grande entre saber o que significa e realmente vivenciar isso na pele.
Muitas vezes a quantidade de informações e assuntos que podem ser abordados é tão grande e diversificada que forma-se um emaranhado confuso e difícil de ser organizado em nossa mente.

Escrevo poemas, sou substancialmente poeta (ainda em fase de construção), mas sem hipocrisias do tipo "eu não sou poeta" ou "poeta? quem me dera?", não, isso seria ridículo. Sou porque me sinto assim, gosto e quero ser, a despeito de ser ou não considerada poeta por quem de fato o é. Acredito hoje, que ser poeta é mais do que um título ou conceito, é um estado de espírito, é uma forma de ver a vida que não se limita ao espaço alcançado por meus olhos, que transcende o espaço físico, que penetra a alma ou ao menos busca isso, e busca justamente por acreditar ser capaz.

Mas acredito realmente ser capaz de ousar ainda mais. Acredito e quero ser uma escritora de fato. E por onde eu começo? Quais os caminhos que devo trilhar? Onde buscar conhecimento suficiente pra ser reconhecida e respeitada? Em livros, jornais, revistas? Estudando, afundando-me em prateleiras de bibliotecas?
Ou talvez observando a vida, tentando conhecer melhor o ser humano, e a mim mesma, tentando entender como funciona essa imensa esfera azul e essa coisa chamada Homem, tão complexa, tão controversa, tão inconstante e que ainda não aprendeu a cuidar daquilo que ele pensa ser seu, mas não é.

É, é assim que pretendo ser escritora. Não hoje, não daqui há um ano, mas em todos os meus próximos dias. Absorvendo tudo o que me for possível, falando muito, e ouvindo ainda mais, ora errando ora acertando, sendo consciente e atuante naquilo que me torna cidadã, sendo política mas também poeta. Sendo eu mesma mas sem deixar de ser todas as outras personagens que me dão vida quando escrevo e acredito ser capaz de mudar o mundo.

Hoje, eu sou uma alma inquieta e angustiada. Decepcionada com a falsidade do ser humano, indignada com a hipocrisia de políticos e poderosos, revoltada com a impunidade que impera nesse país que eu tanto amo. Mas acima de tudo, insatisfeita comigo mesma por não fazer a diferença que gostaria, por dormir demais e não estar atenta ao quintal da minha própria casa, por me calar quando deveria falar e não ouvir quando deveria ouvir, e principalmente, por ser fraca quando deveria ser forte e por chorar quando deveria gritar.
Mas decidida a desatar todos os nós que esganam a minha garganta!

Monica San

(A expressão usada no título é tirada da música de mesmo nome, composição de Sérgio Sampaio)

17 fevereiro, 2009

Natimorto

Vazio e pálido é o leito
donde as palavras hoje não repousam
Secas e quase sem razão de ser
afundam-se no mais profundo exílio

Natimorto sem pátria ou origem
sem destino útil ou futuro
revolvem o útero mas não vingam
tornam-se excremento, fruto impuro

Fecundadas no prazer do absinto
que do amargo torpor eu já nem sinto
nem peso nem fedor das tais promessas

Viessem irromper o negro bucho
assim, de amor e de beleza carregadas
num parto que apartasse as horas vagas
vazias e supérfluas nasceriam

Pois, que ao tocar a imensidão do frio concreto
desterradas do calor que são fecundas
morreriam na vontade de ser gozo

Deixe então que permaneçam vãs, profundas
mas que expurguem a agonia desse corpo
ao tornarem-se dejectos d'um desejo
que jamais tocou-te os lábios sendo beijo

E que morram (enfim)...sem jamais terem jorrado!

Monica San








Lassidão

13 fevereiro, 2009

Dionisíaco

Boca que amaldiçôa, boca que esbraveja
boca na tua boca...Baco que nos proteja!

Se o vinho que vem da vinha é vida
e a vida que vem da orgia é vaga
a boca que a tua boca beija
num trago te sorve a língua, e traga!

É praga que pega fogo, é lava!

É língua que lava a alma e cala
é Boca que quando cala age
é praga que se propaga e verte
no verbo dos versos du Bocage.

Boca que amaldiçôa, boca que esbraveja
boca na tua boca...Baco que nos proteja!

Beijo que morde a fala, boca que interage
membro que intercala! Valha-me du Bocage!

Monica San







11 fevereiro, 2009

Desperdício

Às vezes tenho a sensação de estar gastando os meus melhores sorrisos, tão escassos ultimamente, iluminando vãos que não carecem ou por outra, não merecem alimentar-se de luz.
Meus abraços, já tão cansados, parecem estender-se em vão. Abarcando indiferenças e alentando a frieza das pedras.
Minhas mãos parecem acariciar espinhos...sangram em feridas abertas, antes que meus olhos alcancem as flores. Nem mesmo sei se há flores entre eles.
Tenho tocado com os lábios os olhares mais distantes, os sentimentos mais superficiais, as verdades mais cruéis.
Creio que me ensinaram a acreditar em Deus, quando deveriam ter-me ensinado a duvidar do homem.

Monica San

08 fevereiro, 2009

Soneto sacana

Da morte sempre temida ele zombava
queria sugar da vida o que lhe coubesse
que um féretro de responsa ele pagava
pra hora em que a derradeira enfim viesse.

Filósofo catedrático, boa casta
sonhava com os mistérios que vislumbrava
da morte tornou-se logo um entusiasta
enquanto na cana pura se embriagava.

O terno todo de linho já engomado
pisante italiano e pulmão inchado
o fígado carcomido nas carraspanas

entrega a sua vida o doidivanas.
Na lápide a inscrição de algum sacana
"Morreu de curiosidade mais um bacana!"

Monica San

Putrefacção

Tem um barulho infernal no meu silêncio sepulcral.
Acho que são os vermes fazendo o lanchinho da tarde.

Quem disse que os sentimentos
não se decompõem?

Monica San

Da falsidade que azeda minha língua


Tão ácidos quanto o suco ulceroso
que corrói as paredes estomacais
são os versos controversos que destilo
contra o ardil da tua farsa absurda

Não destino minha rima rasgada
a uma linha sequer do teu roteiro
não desentranho sentimentos nobres
para matá-los no teu palco grego

Não faço parte dessa tua tragédia
e não dôo minha arte à vendilhões ladinos
Da falsidade de que é feito teu brilho
quero o lustro, que trate a minha couraça

Contra ti, verme pútrido de ínfimo valor
destilo meus piores venenos
porque os melhores, curtidos em bom tempo
guardo como antidoto, contra teu olhar de pedra.

Monica San

Soneto Trágico

De um sentir tão descuidado fez surpresa
resvalando em tua foz os meus anseios
D'um querer atormentado de incertezas
fez a vida que me aparta e parte aos meios.

Sangro o corte desferido no esquerdo
ao direito lado posto e contraposto
se é errado o que sangra agora o peito
que direito tem o certo em contragosto?

Taquicardia que acelera e destempera
na sudorese que alucina ao pressentir
uma overdose dessa droga que me erra
num prognóstico de vida a se esvair.

Se é a morte o fim trágico do amante
nessa tragédia teu amor me fez errante!

Monica San

Soneto indeciso

Partindo-me ao meio agonizo em dores
parto que reparte meus cálidos anseios
ou mato esse amor, e livro os temores
ou deixo-o viver ardente entre meus seios!

Se trago desse amor até a gota ínfima
me perco embriagada no teu corpo úmido
insana lucidez confusa em verso e rima
querência de prazeres do teu membro túmido!

Se mato e desentranho esse amor tão lúbrico
me perco no vazio da ausência tua
perdida me encontro no teu jogo lúdico

em fuga distancio de buscar-te o corpo
mas caio em armadilha e me sinto nua...
não há como matar a parte que é meu todo!

Monica San

Soneto em clamor à morte

Dor que habita esse meu úmido olhar
que faz romper os laços dos meus medos
te peço que não deixes escapar
toda essa morte presa entre meus dedos

Oh! guardiã de todos meus segredos
te rogo que me venha abençoar
por sede a boca cede e eu também cedo
à noite que insiste em me abraçar

abarca-me nos braços taciturnos
penetra com tua palma a minha alma
inunda-me de ais e de esturros

que seja o breu da noite o meu leito
que finde nos teus braços minha calma
e que a morte me abrande enfim o peito!


Monica San e Lucas de Oliveira Gullar

Redenção

Preciso de uma morte pra curar o tédio.
Buscar nessa amplitude, o fim da imensidão...
Que um gole de veneno seja o meu remédio
na taça que transborde enfim a solidão!

Da falta de sentido, me livre a ingratidão
dos vermes que me cospem nesse sacrilégio!
Das culpas que me castram na expiação,
que seja minha morte então seu privilégio!

Que seja ela o coro pra sua canção!
E vertam dessa taça todos os meus medos!
E a morte seja um mote noutra oração...

Da prece angustiada feita em aflição,
Sussurros entre os prantos, risos e segredos
Daquele que apunhala o próprio coração!

[Monica San e Lucas de Oliveira Gullar]

Dissecação

Amaldiçoo esse verso parido
regurgitado do bucho e cuspido
Amaldiçoo esse verbo encardido
desconsolado e da língua banido.

Desassocio essa fala eloquente
que me confere esse tom prepotente
Desaproprio esse ar de contente
desse sorriso de gozo presente.

E sangro um parto de dores cravadas
e verto fel dessa alma amarga
e morro tanto, em tantos sabores

se morro sal, no meu mar dissabores!
Se morro mel nessa fonte que seca
cravo essa dor, que minha alma disseca!

Monica San

(In)consciência

Quem és tu vulto sem face, ave soturna?
Lanças olhares de pedra na minha sorte
Fulguras por entre frestas inoportuna
espias feito abutre cheirando a morte.

Estocas teus olhos frios em minha pele
procuras entre meus seios a tua alma
vasculhas por entre os meios o que revele
as linhas que te delatem na minha palma.

Quem és tu, para despir-me e sem pudores
revelar-me os segredos e os pecados
desferir-me em duro golpe os desamores?

Te afastas agourenta, não tens medida!
És vulto atrás do espelho, renegado
és a negra consciência que me avilta!

Monica San

Catavento



Corre, corre, menino
me leva na tua mão
corre contra esse vento
descalço, de pé no chão
Corre, corre, pequenino
deixa o vento me tocar
se enreda nesse meu giro
que o vento leva a tristeza
bota um sorriso no rosto
e faz essa vida girar!!

Monica San

Ilustração: Luciana Teruz

Pobre poesia

Perdem-se primas palavras
partem-se pensamentos perfeitos
pérolas para porcos
pérolas para poucos

parcos pedaços prevalecem

pobre poesia
padece petrificada.

Monica San

Sem a noite

07 fevereiro, 2009

Soneto da secretina


Ofício escolhido por prazer
de pernas que se cruzam no estilo
do tato no contato ao entrever
os olhos que eriçam o mamilo

Prazer do cumprimento com presteza
aberta às conjecturas do trabalho
servindo de deguste sobre a mesa
fiel e dedicada ao seu Carvalho.

Que riam as hienas do contrato
fechado e assinado noite adentro
selado em boa língua e fino trato

Aspones e hienas ao trabalho!
enquanto na fartura eu me contento
servindo e degustando o seu Carvalho!

Monica San

Ilustração: Renan Lima

Síntese

Não me procure em traços
ou formas agradáveis aos olhos
não há dignidade de artista
nos traços que me compõem

Sou um borrão do acaso
Obra órfã de hombridade.
Sou o refugo da inspiração
a paráfrase da imperfeição

Sou o estigma infeliz do mau traço
que macula num erro crasso
a folha virgem e o ventre são

Não me procure em traços
não me contenho em definições
Minha síntese é inconsistente
assim como suas traduções.

Monica San

Arco de Íris


Minha íris, menina, procura o tesouro
escondido no pé do arco dos sonhos
Mas a noite insiste em não amanhecer.
E ainda guarda pra si, os sonhos inacabados.

Essa menina, é Íris entre céu e terra...
de asas ao vento e de sonhos inacabados
E é virgem, da luz que os amanhece.

Por isso ainda sonha tesouros
e dorme ao relento da noite
que só faz amanhecer a mulher.

Monica San

Carn-aval

A avenida se prepara
na comunidade dispara
a bala, embala e abala
na avenida a porta
bandeira e o mestre sala
Vai a pé no tropé
fuzil, bala, camburão
pé no morro
samba no pé
vai puxando o cordão
repicando o enredo
no jogo de cintura
na cidade o medo
na avenida a mistura
sangue, suor e cerveja
alegria explode
bala craveja
É o carnaval que chegou
Foi o morro que sangrou
No Brasil da Globeleza!

Monica San

Imensurável

Qualquer micro-segundo desse tempo
desse meu tempo inútil
dessas minhas horas secas
desses meus dias ocos
qualquer milionésimo de um grão
que escorre nesse meu tempo vão
é infinitamente imenso.

É um buraco denso
sem fim, sem fundo...peso imundo
são horas carcomidas por vermes
doença galopante em estágio terminal
alimentada pela esclerose do tédio.

Qualquer tempo desse meu tempo
é imensidão, é vão profundo
é solidão...é vala, que enterra o mundo

Qualquer tempo desse meu tempo
é muito mais do que eu possa supor
é fim, que se sobrepõe à dor.

Monica San

Último ato

Encaro-vos, pois, pujante e destemida!
Sou, em vida, o que lhes alimenta a alma
sou o riso e o sarcasmo sobre o palco
sou as vestes que encobrem as feridas

Minhas dores são, aos vossos olhos secos
o ranço de um passado sem amores
aos dedos que me apontam os pecados
ofereço sob as vestes, as feridas e os ardores.

Enfiem vossos dedos no que resta dessa carne!
Vasculhem, farejem, cada palmo e cada palma
cuspam se quiserem sobre a sobra do que vale
que aos vermes que esperam, pouco cabe dessa alma.

Riam-se abutres! Com meus olhos joguem dados!
Banqueteiem-se das vísceras, bebam-me em taças
sôfregos, alucinados...arranquem-me a pele e os dentes
Mas meus seios...não, não os toquem, são doentes!

Seios intocados pelo amor tão desejado!
Que permaneçam assim...incólumes, virginais
doentes, desamados, hirtos...meus ais!

E assim, devorada sob a frieza do vosso olhar
e com os seios intactos como os de uma virgem
deixai cair o pano que encerra a minha história!

Não espero de vós aplausos tampouco glórias.

Apenas o fogo (ou o escárnio)
que acenda o meu último cigarro!
E da morte, espero o beijo...
que desflore enfim os meus seios

neste meu triste, e derradeiro ato.

Monica San

De amoras e de amores

No exílio do frio concreto
que teu corpo, do meu faz distante
o vento que a fresta corrompe
meu corpo fremente sustenta
com o hálito das tuas palavras

Há de chegar o dia
do não se conter à parte
do encontro à sombra, e das amoras
E a leoa por quem te assombras
te fará presa nas suas garras
Não te espantes com tal desfecho!

Deixe que ao pé da amoreira
sepultado, o amor de Píramo e Tisbe
(desventura de outrora)
torne-se então leito e adubo
de um novo porvir de amores
e de doces e rubras amoras.

Monica San
(poema inspirado na história de Píramo e Tisbe - mitologia grega)

Anjo da morte

Num esquife aveludado
macio e de carmim encarnado
ela se vê...

À sua volta
flores brancas perfumadas
o vestido de renda bordado
ás mãos o terço
de contas douradas.

Morta! Constata o fato.

Não sabe da hora ou do ato
do instante desolado
em que da vida despiu-se

Veste agora uma mortalha
é leito de pranto e dor
mas não sente...
tão leve, feito uma flor.

Tem ao seu lado um anjo
olhos da cor do mar
doce e terno acalento.

Morrer não é tão mau afinal
Sorri ao seu doce contento!

Os seios sente vibrar
os olhos lhe tocam
seu corpo responde
seu anjo arfante
deseja lhe amar.

O esquife torna-se leito
o anjo lhe cobre em beijos
e ali mesmo se amam!

Doce desvario aquele...
interrompido pelo tempo
tempo de despertar!

Do sonho. Doce sonho
que a morte lhe fez desejar!

Monica San

Vou pra onde o vento me levar


Foram tantas as noites rasgadas
Tantos sonos perdidos
e sonhos acalentados
tantos pensamentos sorvidos
e tantas palavras lançadas
e tantas madrugadas...
sem que o amor me tocasse

Tanto procurei em arestas
frestas, cantos e...desencantos
tanto mergulhei em prantos
quando desfiz encantos
e tanto, tanto desnudei a alma
e me perdi de mim...
e me perdi assim...sem nada

Tenho andado tão cansada...
pisoteando sobre meus cacos
sangrando os pés e a alma
esgotando-me em sal e água
Mas, o vento que passa rente
que me abarca e consola
parece que também chora...

quando meu corpo retém
e sopra (ao meu ouvido)
-triste lamento perdido-
que não tem amor também.

Monica San

Janelas - slide show

Janelas

Quantos pingos de vida são necessários
pra que os olhos alcancem o infinito
e num jorro translúcido daquilo que não se sabe
a paz não seja mais do que um lugar ao sol?

Esta janela escura, por onde a vida me escapa
e de onde as estrelas não tocam os meus olhos
amanhece o dia com a preguiça da noite mal dormida
E insiste...é preciso colorir os sonhos
e a cor está onde os meus olhos alcançam
sem janelas fechadas, nem escuridão
mas com olhos abertos e amor em porções

Esta minha janela é instável...ora é breu, ora é luz
mas agora, sempre aberta...
no vão do silêncio, vão as asas em busca do eco
que preencha as linhas nos momentos de breu
Mas quando o Sol adentra...e aquece meu ninho
sou janela pro infinito...sou passarinho, e sou grito.

Monica San

Pacto

Colho nos lábios sorrisos alheios
nos olhos aprisiono sombras
e sobras das orgias de outros dias
que não foram minhas...
Minhas mãos não contém as horas
oras, nem minhas são
são mãos afoitas, de outrém
que vasculharam o passado
e agora preparam o futuro
mas meu presente (que nem meu é)
não tem laços ou surpresas
e nem abraços
vive aos pedaços, e aos rastros
de algo que seja realmente meu.

Faço poemas, que também não são meus
não aprisiono minhas crias
se dou à luz, são da luz...e são luz!

Mas nascem poesia...
essa sim, é minha...vive no meu ventre
e me dá vida!

Eu em troca, dou-lhe asas.

Monica San

Primavera de Adonis

Vieste da luxúria e do pecado
Adônis que me encanta e extasia
teu caule tão robusto, em mim cravado
me fazes Afrodite à luz do dia!

Dos tempos que me cabem o teu leito
a espera no meu corpo faz-se algoz
inverno sem a chama do teu peito
estio que traz seca e dor atroz!

Quem dera a primavera em mim morasse
qual flor que desabrocha ao teu suspiro
e Zeus dessa sentença te livrasse!

Quem dera fosse o mito que apartasse
teu caule desse mel que escorre o figo!
Por Zeus, então teu jorro em mim fartasse!

Monica San

Poesia de concreto

Oriente

Oriente-se rapaz
o Oriente é longe demais!

Tão longe quanto o estampido
da fé que tapa o ouvido
e alveja, lateja e sangra
teu peito tão jovem rapaz!

Teu sangue não toca o que vejo
Teu grito não fere o que toco
Teu nome não mancha o meu chão
Meu sangue não suja tua mão

Oriente-se, oriente-se...

Tua idade não conta disparos
Teu corpo não espera preparo
Se da fé, da ganância ou do ódio
vem a tinta que escreve esse exórdio

Oriente-se rapaz
o Oriente é longe demais!

Tão longe quanto o estampido
da fé que tapa o ouvido
e alveja, lateja e sangra
teu peito tão jovem rapaz!

Teu sangue não lança sementes
Teu grito sem eco não vinga
Teu nome não faz essa história
Meu sangue não compra tua glória

Oriente-se, oriente-se...

Seja lá onde a guerra dizima
ou aqui onde a guerra é velada
esse eco de dor sempre alcança
os confins de um fio de esperança.

Oriente-se rapaz! O Oriente é longe...
A Paz é mais!

Monica San

Traçado

O gosto da angústia - desgosto
A voz da vontade - velada
O som da saudade - soluço

A vela da vida apagada!

O pulso que pulsa - ex-pulso
O sangue que sangra - exangue
O corpo que cala - agoniza

O ai que resvala é nada!

O dó de ser só - só é brisa
Vento que venta - é levado
A vela que leva - assopra

Destino no tempo - traçado.

Monica San

Mais um trago

Esse trago é amargo
madrugada vai rasgando
sangra a vida, sangra a morte
rasga o ventre, abre o corte
é veneno com açúcar
adoçando a pouca sorte.

Miséria que seca os olhos
nas linhas mortas da vida
canção de dor e abandono
cálice que não tem dono
mais um trago dessa bebida!

Chora a dor de uma partida
dum filho, um pai ou amigo
chora a esperança perdida
a alegria mal parida
no gozo do amor bandido!

É meu cálice de culpa
na razão que não se usa
é a parte que me cabe
a porta que não se abre
meu quinhão nessa desculpa

Esse trago é amargo
madrugada vai rasgando
sangra a vida, sangra a morte
rasga o ventre, abre o corte
é veneno com açúcar
adoçando a pouca sorte.

Nesse trago de amargura
o amor me sangra o peito
resta um tanto de ternura
contrasenso que tortura
na imensidão do meu leito!

Mais um trago desse amargo
e a madrugada passando...
mais um trago!

Monica San

UTI



Sobre o amor e a dor, sem o verso

Intraduzível

Instante

Dessa coisa toda

Flagelo

O falo da fala

Colei no céu da tua boca
a chave do entendimento
roça, bole, saliva e aguça
paladar que não contenta
palavra que não sustenta
quando em outra ela se cruza!

É verbo que não conjuga
expressão que não alcança
vontade que agua a vida
razão que me foge à regra
se ao prazer ela se entrega
no sabor da tua língua!

Não há tempo que a contenha
não há modo que impere
seu poder não tem limites
quando o verbo ela solta
e na tua ela se enrosca
aguçando o apetite!


Não importa se ela rima
ou seduz quando intercala
se a palavra é degustada
no sabor de outra língua
a boca mistura e agita
solfeja um beijo e se cala!

Monica San

Rebotalho



Trapos e farrapos

Você diz que tá na lona
que a miséria só te ronda
o governo não faz nada
que o mínimo te humilha
que é bom pai de família
e fizeram tua conta errada

Xinga até a mãe do bispo
diz que a crise dos states
é culpa do presidente
e que não tem nada com isso
Reclama da bolsa furada
dos valores que não valem nada

Mas tem peru na tua mesa
e as contas atrasadas
ja viraram a sobremesa

Vira teus olhos do avesso
descostura os teus remendos
se desfaz dos arremedos
que de trapos e farrapos
basta o lixo em que vivemos!

Você conta e faz de conta
que é ligado ao social
se comove com as notícias
que aparecem no jornal
deposita um ajutório
aos desabrigados, e tal

Vai a missa, ao santo culto
ajoelha e se arrepende
pede perdão e faz tudo
pra ganhar o teu quinhão
pega uma vela e acende
prum santo de devoção

Mas tem peru na tua mesa
e as contas atrasadas
ja viraram a sobremesa

Vira teus olhos do avesso
descostura os teus remendos
se desfaz dos arremedos
que de trapos e farrapos
basta o lixo em que vivemos!

E tem peru na tua ceia
e tem rabanada e pinhão
e o que vai na tua veia
é sangue ou vinho alemão?

Vira teus olhos do avesso
descostura os teus remendos
se desfaz dos arremedos
que de trapos e farrapos
basta o lixo em que vivemos!

Monica San

Em cena

Corro os olhos
pelas tuas falas...
tentando decifrar
as entrelinhas

decoro o teu roteiro
na ponta da minha língua
passo e repasso
pelos teus lábios úmidos
as minhas falas

Na cena que faço
minha direção se perde
mas tuas mãos que medem
o meu passo
acertam o compasso

E assim, o palco é nosso
você na direção me alinha
eu, nas tuas linhas me acabo!

Monica San

Maria e o pescador

Pescador jogou a rede
Maria se enredou
Nos braços do pescador
na rede do seu olhar
Céu azul ficou escuro
a noite caiu no mar.

Vai pro mar buscar sustento
pescador vai trabalhar
o mar é do pescador
e o pescador é do mar

Maria só tem alento
quando vê o barco chegar
trazendo seu pescador
tirando os peixes do mar.

Mas não sabe essa morena,
da fúria que ali se esconde.
Não entende a melodia
que houve todos os dias,
quando o barco vê partindo.

É ele que canta pra ela...
é canto que vem do mar...
e Maria não entende...
não se cansa de esperar.
Seu amor nunca naufraga...
vence do mar as mazelas,
e nos seus braços vem descansar.

Pescador jogou a rede
Maria se enredou
Nos braços do pescador
na rede do seu olhar
Céu azul ficou escuro
a noite caiu no mar.

Pescador pegou a rede
foi pro barco preparar
a pesca daquele dia
sem perceber que Maria
olhando pro mar repetia
Meu pescador vai voltar!

Quando o barco se afastou,
a canção de novo ela ouvia...
mais forte, mais ecoava...
Maria então chorava,
enquanto o barco partia.

"É doce morrer no mar...nas ondas verdes do mar..."

e a canção insistia:

"É doce morrer no mar...nas ondas verdes do mar..."

Maria então compreendeu
que o mar dizia: ele é meu.

Monica San

Sem a noite

...eu fico assim
feito o dia que amanheceu
na marra

Sou vão, sou fenda
nem a luz que me trespassa
me contenta

Prefiro o breu que me mantém vaga

e na minha vaga
se propaga
e
me traça
e lavra.

Monica San

Letargia

Tenho sido observada de longe
Maldito pássaro de mau agouro
que parece farejar a carniça
antes mesmo da putrefação
Num vôo rasante levou-me
as quimeras e a ampulheta
que pareciam manter-me
em estado lisérgico.

Tento conter a areia que escorreu
e a fúria das quimeras agora
desepertas e lúcidas
Em vão...
escorrem por entre os vãos

Meu tempo é curto
Talvez o suficiente para despertar
e enfrentar o monstro alado
que paira sobre minha cabeça
ou...(não sei ao certo)
que me habita e fecunda
no escuro abissal das minhas noites!

Ou não.

Monica San

Pra hoje

quero teu silêncio fazendo eco
no céu da minha boca

teu batimento descompassado
acertando o meu passo

teu ar rarefeito
inflando meus pulmões

tua inércia
movimentando meu centro

e como não bastasse esse desconcerto
ainda te quero fora
antes que te queira dentro.

Monica San

Indelével

Ainda sinto o peso das tuas metáforas
a rasgar-me o ventre...
As palavras ecoam...têm cheiro...
copulam comigo nas madrugadas
Prenhez de poesias e poemas
plantados no fundo do meu útero
pela tua boca maldita
e teu poetar profano e insano.

Tenho um pântano lamacento
repleto de poemas fervorosos
e proibidos...
que ainda esperam ansiosos
por tuas mãos ousadas
pela tua libido...
a arrancá-los e deflorá-los
manipulando com teus dedos musicais
e tirando deles melodias infernais.

Tenho nas profundezas do meu âmago
um ardor incontrolável e palpável
de ser novamente penetrada
por tua língua lasciva
tua mente permissiva e ousada
tua lava incandescente e impura
que em palavras de pouca lisura
fizeram de um vulcão já abrasivo
a fonte mais pulsante e viva
de poesia, calor e delírio.

Ainda tenho, cravado em mim feito punhal
o falo da tua fala...íntimo segredo
guardado em profundidade
sem culpas nem medo
num desvario intenso e abissal.
Ainda lhe tenho...contenho...dentro...
no meu intento mais amoral.

E, como não bastasse tê-lo, marca indelével
em mim tatuado...
ainda lhe tenho decor e salteado...
em versos cravados e gozo verbalizado!

Monica San

Milonga


Feito chama incandescente
teu olhar me chama...desafia, desfia
lentamente...passo a passo
como no compasso crescente d'um tango
no entrelaço fremente de pernas
num encontro rente...extasia.

Sedução que supera o pecado
corpos colados nesse passo marcado
passado...repassado
Lábios que se enamoram intocados
sensações palatais ritmadas
aceleradas...nos pés extasiados

Olhos nos olhos, palmas em palmas
espalma-me as ancas nas tuas milongas
e passo a passo me ganhas
Compasso marcado, seguido, traçado
em "ganchos" de pernas e almas
batimentos acelerados...

Dança comigo esse tango...
lentamente me acelera no passo
do meu perfume faz teu compasso
segue...no rumo e no meu laço.
Persegue...e eu me desfaço.


Monica San

Fato consumado

Descontrolada pela culpa atordoante
olho teu corpo estendido no tapete
desse teu sangue encho a taça transparente
e ao punhal eu ergo um brinde, delirante!

Já não sustento os motivos do desfecho
da gana torpe que invadiu-me noite adentro
do teu sarcasmo ao sorrir-me é que me lembro
dos lábios secos que molharam outro beijo.

Senti teu cheiro impregnado de alfazema
senti teu corpo extasiado de outro peso
não tive dúvidas, senti o teu desprezo
e de certezas, fiz pra nós um novo tema.

Cantei um cântico em louvor ao nosso caso
despi-me aos olhos e à boca, do pecado
ajoelhada fiz a prece ao teu gargalo
e profanei um santo nome com descaso.

Te dei meu corpo como fosse a tua casa
abri as portas, abriguei o teu desejo
sorvi teu sumo e te matei depois de um beijo
roubei teus olhos e enterrei em cova rasa.

Agora brindo, ao farrapo ensanguentado
e ao punhal que atravessou a tua alma!

............................................................

Sorvo de um vinho, recupero a minha calma
e arremato: outro poema terminado!

Monica San

Pseudo-biografia

Desde que rasguei o ventre irrompendo a luz
desde que num sopro insólito, num espasmo
exorbito, expurguei d'um corpo o que era pus
desd'esse meu grito esdrúxulo, cheio de sarcasmo
que fez de um orgasmo o peso d'uma cruz

Vim a esse mundo apático, essa vida fátua
esse trilho esquálido, que não me conduz.

Vim a esse tempo estéril, essa casta sórdida
esse mundo torpe que não me contém
Vim como d'uma hecatombe, lasca exaurida
solta e perdida, num espaço aquém.
Vim como se fosse minha, essa vida pérfida
esse mundo fétido, e de mais ninguém.

Dizem que sou fruto (in)útil, resultado (in)válido
de um amor tão pálido, mero querer bem.

Dizem do fulgor que ilude, do amor sarcástico
da pouca atitude, da vida o desdém.

Sou a ordinária soma, o produto módico
a razão inversa da inequação
Sou do santo atributo, do pensar o erótico
no ato irresoluto sou contradição.

E como não bastasse o traço, esse exórdio crasso
nessas linhas vesgas dessa tradução
sou, entregue ao holocausto, vítima do claustro
nesse drama clássico, pura encenação.


Monica San

Rota de colisão

Voltam-se e re-voltam-se
meus olhos espiralados...
- 360° invertidos -
(re)encontram-se refletidos
(in)contidos...
nos teus.


Monica San

Mal bem-dito

Malditas são todas as cartas de amor...palavras vãs
marcas amareladas, sentimentos guardados...
Malditas são todas as canções de amor...notas vazias
melodias adocicadas, lágrimas e lágrimas cantadas
Malditos são todos os poemas de amor...versos rasgados
carregados de palavras, melodias, lágrimas...e dor.

Malditas são as noites enluaradas...e também as madrugadas
em que os amantes se encontram...e fazem amor!
Malditos são os dias de chuva...e as manhãs ensolaradas
em que olhares se cruzam...bocas são silenciadas
e o peito quase explode...de amor.
Malditos são o mar e a lua...a brisa, o Sol e a maresia
que inspiram os poetas...e fazem nascer os poemas de amor!

Ah amor! Sentimento bendito!
(contrasenso maldito)
Que do tanto que é...faz-me amaldiçoar a vida
Tantas vezes por mim bendita!

Ah, amor! Bendita dor que me faz viva!

Monica San

Super-ação

Meu tempo é o tempo da consumição
do que restou do que em outro tempo
foi no meu corpo a consumação
do peso e o fogo de palavras tantas
que aturdiam minhas coisas santas
que provocavam a minha razão.

Meu tempo é o tempo de alucinação
de noites longas, madrugadas lentas
em que percorres dedilhando a esmo
minhas entranhas de inspiração
lasciva língua invadindo as sendas
fremindo as carnes, em degustação.

Meu tempo é o tempo...de toda paixão.

Sentir o cheiro feito todo bicho
profanar nomes, blasfemar em vão
de arder em febre quando se faz nicho
e se aprofunda em penetração
seja com a fala ou com a língua (im)pura
ou com o falo de uma exclamação!

Meu tempo é o tempo...da preposição

De unir as línguas em tratado único
entrelaçando o paladar e a fala
roçar o corpo nesse jogo lúdico
extasiando se a palavra cala
sentindo o peso do falar profundo
tocando a fenda onde se intercala!

Meu tempo é o tempo...de gozar o "verbo"
Meu tempo é o tempo...de super-ação.

Monica San

Fragilidade

Tênue é a linha que divide
o antes e o depois
o sim e o não
o ficar e o partir
lucidez e loucura

Frágil instante
da queda ao vôo rompante
do passo à frente ou atrás
do ser...ou deixar de...

Morrer ou viver?

Tênues e frágeis são as linhas
que dividem a vida
chegada ou partida
amor ou dor...

Morro um pouco a cada partida...
coração partido...alma dorida
menos...bem menos vida.

Frágil instante
em que me encontro
- perdida -

Monica San

Bailarinas

Ao vento com as bailarinas
que insistem em dançar
ante minhas retinas cansadas!

Pululam extasiadas
as desaforadas meninas...
Janelas fechadas não as contém!

P ipocam
O uriçadas
E stabanadas que só
S apateiam
I nsatisfeitas
A té me fazer dó

Vem a noite, finda o dia
lá vem elas...de mãos dadas
de fru-fru e sapatilha

São notas musicais
são letras do alfabeto
consoantes ou vogais
tudo no lugar certo...
(ou não)

Poemas bem acabados
ou versos nem sempre rimados

E lá se vai a madrugada...

E o poeta o que é que é?
Louco de fazer dó
ou samba de uma nota só?

É só.

Monica San

Rompantes

Foz

In-versos

Elo perdido

Ah, maldito "Eu" que se perdeu do todo!
E agora vaga, assim...vazio e solto
Longe de mim? Sem rumo...

Viramundo! Vai ao fundo do poço!

Seca todas as fontes...vê se bebe discernimento!
Vira pó e vira osso...revira o olho do mundo!

Busca a luz no fim do túnel...vai ao cerne da questão!

Desvenda o mistério profundo...ou cala-te então!
Cala-te de uma vez alma sem parada!
Toma assento e te cala!

Ouve a voz do silêncio...ouve o que Ele te fala!

Que não é do centro do mundo ou da voz da razão
que vêm as tuas respostas...nem do teu coração.

É do tudo que nada te parece...
é da margem onde o rio não toca
é da fresta...que da luz se perdeu

Arranca teus olhos ingratos...
e então enxerga - a luz
onde só te parece breu!

Monica San

Prece

Quero um momento
um momento de "não pensar"
de não buscar nem compreender
apenas sentir
Que o rio que corre manso
corra no leito de minhas veias
que o Sol que se põe ao longe
tenha nos meus seios o seu poente
que o infinito não seja
mais do que minha mente
livre de toda amarra
Que eu não faça parte do universo
mas que eu o seja
no todo, em unicidade
Que eu possa chamar Deus de amor
apenas amor
e que ele nunca me abandone
pois é em mim que faz morada
E que esse momento perdure
por uma eternidade desconhecida
suficiente pra que meu peito rompa
minha alma se liberte
e meu amor..(esse que há em mim)
contagie o vento
que tudo leva, que a tudo espalha
que tudo revolve!

Monica San

Entre céu e inferno

Nos meus olhos o teu infinito
se me perco te encontro em mim
nos meus sonhos em rendas tecidos
nesse amor sem começo nem fim
no meu céu de bordados bonitos
nesse mar de querer tanto assim.

Não conheço teus olhos perdidos
entre brumas que encobrem meu céu
desconheço tua voz se me chama
teu sabor, se é amargo ou se é mel
teus segredos ainda escondidos
teus desvelos descerram meu véu.

De te amar entre céu e inferno
arriscar minha vida na tua
desejar que não seja eterno
do teu corpo fazer minha rua
De querer percorrer tuas linhas
em teu peito pousar minha palma
escrever no teu céu um poema
tatuar com meu corpo tua alma.

Monica San

Deliberada(mente)

Deliberadamente escoei...
abri as comportas
deixei vazar o senso
esgotei as angústias
sequei o pranto
e também um tanto
de sorrisos frouxos
Aliviei o peso das idéias
dos pensamentos soltos
das compensações
e sublimações
e também das alucinações

Deliberei:

Nada de amarras hoje!
Nem filosofia tosca
nem poemas a fórceps
muito menos teoremas
nem Mandrágoras nem
Pitágoras...nem alfazemas
nada com nexo ou complexo

Hoje eu só quero o gozo!

De uma cópula irracional
de um coito sem juízo
de um encontro acidental
só quero o ato inconsciente
de uma paixão inconsistente
a perda total da razão
Que o universo inteiro conspire
que meu gozo seja sublime
quando enfim suceder
o ato final:

Livre de todo pensamento
e de todo entendimento
extasiar-me de um sopro
sentindo tomar-me o corpo
um amor universal!

E que eu goze...a mais pura seiva
de vida...e de amor
transcendental.

Monica San

Lágrima

O canalha


Na arte do amor e da conquista, há uma espécie de homens que são naturalmente sedutores, nunca estão sózinhos, e conseguem levar a vida numa boa sem se preocupar com nada (ou quase nada).
São os canalhas. Assumidos ou não, exercem um poder de sedução irresistível, são amáveis, sensíveis, companheiros, amantes maravilhosos, criativos, ousados. Têm na ponta da língua toda a sorte de elogios, promessas e "palavrinhas" gostosas que uma mulher espera e deseja ouvir de um homem. Dissimulados, são capazes de jurar amor eterno, não têm preconceitos, amam desde as mais belas até as mais desprovidas de beleza estética. Mesmo em meio aos cremes faciais, bobes, e tinturas fedorentas, ou impregnadas do cheiro de fritura, alho e cebola, dizem às amadas que são lindas, cheirosas e deliciosamente sedutoras. E elas acreditam. Ou fazem que.
Ao contrário do que se imagina, o canalha não foge do casamento. Nunca. Casar-se é quase uma lei para ele, faz tudo como manda a santa ética moral. Namora, conhece a família, ganha a simpatia (e como são simpáticos os canalhas), casa-se e passa a ser exemplo de marido, pai e companheiro. Faz tudo isso só para ter o gostinho de ser um pouquinho mais canalha.
Ah, o sabor da traição! Não há nada que pague esse prazer.

Os canalhas são capazes de amar a muitas ao mesmo tempo, e, incrivelmente não mentem, se dizem que amam, amam mesmo. Parecem ter o coração maior do que o normal. São um espécime digno de estudos profundos e teses científicas. Difícil é encontrar algum cientista que se disponha ao seu convívio em nome da ciência. Se for mulher, corre o risco de apaixonar-se perdidamente, se for homem corre o risco de ter fortes dores de cabeça, o que comprometeria seriamente as pesquisas.
Então deixemos de lado as pesquisas, e passemos para os finalmentes dessa longa explanação acerca desse encantador espécime.
O único problema do canalha é que em geral ele tem uma segurança e auto-estima extremas. Esquece-se de que a vida ensina.
Eu, com minha pouca experiência de vida, e na minha humilde visão dos fatos, sugeriria aos canalhas de plantão que tomassem muito cuidado com seus cocorutos.
Por mais santas que sejam as mulheres dos canalhas, e elas normalmente o são, a convivência faz com que aprendam a equilibrar o jogo.
As canalhas ainda são minoria, mas são ótimas aprendizes. Chegando muitas vezes a superar seus mestres.

Monica San

O último poema

Ouve amor?
É nossa canção.
Dança comigo agora
cola teu corpo ao meu
e,de olhos fechados
sente-me arder
na infinita alegria
de me saber tua.
Toma meus lábios.
Dá-me t...

Uma lágrima incontida deixa cair-se sobre a folha, manchando as letras e interrompendo a leitura. As mãos ocupadas nada podem fazer. Numa delas o diário, pesado demais para tanta fragilidade, e a outra,segura com carinho a mão de quem foi durante cinquenta anos seu companheiro de versos e de vida, mão cansada e marcada pelo tempo. Fraca, flácida e de uma palidez translúcida, mas quente o suficiente para uma última carícia. Um sussurro. Continua meu amor, só mais este.
Os olhos marejados voltam-se para o papel, e a voz agora mais fraca continua o poema:
Dá-me tua língua
sedenta de mim.
Mergulha-a na minha boca
sorvendo todo mel.
Deita-me em ti
deixa aninhar-me em teus braços
e acalanta-me agora.
Prepara meu corpo que é hora
de possuir-me.
Só tu tens esse direito
só tua sou de bom grado.
vem com tua paixão ardente,
transforma meu corpo quente
na tua última morada.
Vem meu amado.
Um arrepio, um aperto forte no peito,quase uma súplica, trazem um sentimento de medo, dor, tristeza e saudades. O som agudo e a linha reta do monitor cardíaco, confirmam que a poesia acabou.
Ela fecha o diário, segura firme a mão já sem vida, mas que conserva ainda seu calor, e verte. Não lágrimas, mas versos.

Pós script


Senti escorrer entre minhas pernas o vinho...gelado, tinto, forte. Nosso brinde à paixão avassaladora que nos arrebatava e por dias mantinha-nos embriagados de nós mesmos.
Cruzávamos nossos olhares, e confundíamos as pernas entrelaçando desejos e cumplicidade num jogo perigoso onde deliberávamos sobre o certo, o errado, e o prazer da permissividade.
Por dias tive teu corpo no meu, tua sensatez perdida na minha insanidade, seu tempo escasso alongado nos meus lençóis. Alimentei-me das tuas tenras carnes e sorvi teu sumo feito um animal faminto.

Minha lascívia exacerbada parecia envolvê-lo num transe profundo. Abandonou-se ao meu bel prazer, como que permitindo que eu o domasse e se fez meu, se permitiu a rendição aos prazeres e à fartura da minha devassidão. Perdeu-se em mim.
Encontrei-me em ti. No teu corpo entregue, no teu olhar abnegado, no teu sémen que me aquecia e alimentava, no teu abraço abarcador. Mas...no teu beijo, senti um gosto amargo. Incompreensível, aterrorizante, puro fel. Um gosto de final, terminal.
Escondi, mascarei, fingi...engoli teu beijo, sorvi outros tantos, tão amargos quanto.
Adormeci com o gosto escorrendo pela garganta, amarga. Mas nos teus braços.
Quando acordei, tentava levantar-me, mas o corpo não obedecia. Levei os braços até você, mas não o encontrei, não ao meu lado.
Olhei a minha volta...um cortejo fúnebre, choro, lamentos, orações. E você, à minha frente, olhar estático, vidrado, penetrante...não identifiquei a princípio para onde olhavas. Não entendia aquele cenário dentro do nosso quarto.
Tentei gritar mas você não me ouvia, ninguém ouvia.
Foi então que percebi que não era nosso quarto, que não era nossa cama, e que o cortejo era para mim. Era eu ali, sendo velada, era meu o esquife enfeitado de flores, eram para mim as lágrimas.

Uma última imagem permeava aquele momento incompreensível: suas malas prontas jogadas ao chão, um beijo, com o mesmo amargo de antes, e a adaga milenar que ficava no painel sobre nossa cama, em minhas mãos...manchada do meu próprio sangue.

Amar

Que tanto...

Que tanto...

Tanto transborda esse meu coração
que tanto inunda o chão
que tanto verte em dor
que tanto sangra o são
que tanto é de amor.

Tanto navega esse meu coração
em tanto mar perdeu noção
que tanto rio correu sem cor
que tanto cio perdeu em flor
que tanto é de amor.

Tanto voar esse meu coração
que em tanto céu ficou sem chão
que em tanto mar perdeu o tom
que em tanto amar desafinou
que tanto foi...

de amor.

Monica San

Miudinho / Ex-cor(i)ação

Miudinho

Coração tá miudinho
dá vontade de chorar
bate tão devagarzinho
parece que vai parar
Mas tem hora que acelera
não sei onde quer chegar
bate com tanta força
torna lâmina afiada
tentando a todo custo
a droga do peito rasgar!

Dá raiva, dá vontade de gritar!

Não sabe esse tolo músculo
que não tem pra onde ir?
Por que não fica quietinho
e me deixa tentar dormir?

Mal sabe o que eu queria...
Ter nas minhas mãos a magia
pra arrancá-lo do peito
botar logo noutro canto
bem longe, bem caladinho
assim ele não doía!

E eu dormia...miudinho.

Monica San

Se...

Se,
com teus olhos fechados
sentires que os pés saíram do chão
o ar faltou por instantes
teus dedos tocaram o infinito
tua voz calou-se num grito...
Estanca o tempo num sopro!
Segura...só mais um pouco
e, antes de abrires os olhos
e voltares ao estado de corpo
goza...goza de um gozo louco!
Transborda desse teu corpo
e escorre por entre as frestas
das tuas retinas fechadas
lava de gozo tua alma
e depois... só depois...
volta, recupera a tua calma!

Que nada é tempo eterno
o infinito é sempre etéreo
um grito nem sempre tem eco
mas, um instante sublime
é mais do que o tempo exprime
mais do que a mente alcança
é ter asas...
e simplesmente voar!

Monica San

Paz

Estou

em

paz

teu olhar

me dá

paz

teu colo

me traz

paz

teus lábios

me dão

paz

teu corpo

me tira

a

paz

Monica San

(Des)construção

Diante do espelho
há um ser complexo

Homem exato
Homem empírico
Homem matéria
Homem cético
Homem Deus

Do outro lado
vê-se o reflexo

Insatisfeito
Incompleto
Inconsistente

Imagem somente

Por destino ou ironia
em busca de complemento
o Ser descobre a poesia
que da alma é alimento

Que constrói
Que transforma
Que renova

O homem antes complexo
torna-se um ser desconexo
em plena desconstrução
encontra-se na contra mão

E diante do espelho
vê-se em novo reflexo:

Homem sensorial
Homem lúdico
Homem transcendental
Homem humano
Homem alma

Desfeito do que antes havia
curva-se então à poesia
e Ele, que era só reta
torna-se enfim um poeta!

Monica San

Bem que te vi!


Adormeci acalentada pela tua voz
e embalada pelo teu pulsar
tão perto...tão meu...tão tua!
Deixaste-me assim, encantada
e saíste na madrugada
antes do sol raiar.
No alvorecer fui flagrada
desnuda e desvelada
pelo amigo de todo dia
que do alto da fiação
entregava-me à ventania:

Bem (que) te vi!! Bem (que) te vi!!!

Eu cá, em plena maresia
do amor que me embalara
respondo ao mexerico
com um sonoro bom dia!
E replico:

Bem que me fez!! Bem que me fez!!!

Monica San

Passarinhando (ou Quintaneando)

O tempo é escasso e as horas são vazias
há tanto o que fazer...e o tempo passa
O tempo é escasso e as horas são vazias

As areias da ampulheta escorrem aos olhos

O tudo se amontoa...e o tempo voa
nas horas vazias o nada me impregna
O tempo é escasso e as horas são vazias

Os ponteiros do relógio nunca param

Há tanto o que fazer...e o tempo passa
Sinto-me cheia, plena, abarrotada...do nada
O tempo é escasso...mas as horas...
as horas são tão vazias!

A vida urge, o mundo urge, o amor urge!

Tanto, tanto a fazer...e o tempo...passa...
E as horas são vazias...e o tempo é escasso...
e a areia escorre...e o nada se amontoa
e eu me sinto cheia...de tudo e de nada!

Mas a vida urge...
E o tempo voa...
E o nada, e o tudo, e as horas

Passam!

Eu...passarinho!

Monica San
(inspirado no poema "Eu passarinho" de Mário Quintana)

Nos trilhos

tumtum tumtum
tumtum tumtum

ba te for te e com pas sa do
ba te mui to a ce le ra do
ba te a vi da lá de den tro
ba te ba te vai ba ten do
quer sair/ quer surgir/ quer gritar
quer correr/ quer romper/ quer nascer
correcorre rasga o ventre
correcorre sai da frente

nasceuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!!!!!

san gra o cor te
san gra e ver te
san gra e cho ra
se ar re pen de
corre que a vida espera
corre que atrás vem gente
corre que não tem volta
corre corre que é urgente
se alimenta/ se sustenta/ fica ereto
se contenta/ com essa vida/ fica quieto
segue em frente/ não desiste/ vai à luta
vai no encalço/ continua/ a vida é curta
Se perdeu a estação não tem volta nem desculpa
fica atento não descuida porque o tempo não tem culpa
Tá che gan do tá pa ran do
tá fin dan do a vi a gem
quem dor miu não viu a vi da
quem cui dou traz na ba ga gem
o que so bra des sa li da

Chegouuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!!!!!

Atenção passageiros com destino à Vida...apressem o embarque pois o trem já está de partida!

"...o trem que chega é o mesmo trem da partida...a hora do encontro é também despedida...a plataforma dessa estação é a vida desse meu lugar, é a vida desse meu lugar, é a vida..."
Milton Nascimento/ F. Brant

Monica San

Mimese

Outono cruel, frio e cinzento
eriça meus pelos, meu corpo desarma
Resquícios de Sol me trazem alento
no teu arrebol sou fera domada!

Observo entregue o Sol que atenta
lambendo a Terra, lascivo e viril
copulam ousados, em plena tormenta
são nobres amantes, são puro ardil

Cá dentro, n'alcova, dois corpos entregues
exaustos, em fausto, em plena fusão
imitam em transe a bela empreitada
do gozo fecundo que inunda o chão!

Monica San

Labirinto

Tenho vc aninhado
qual pássaro acanhado

instinto

entre os meus seios perdido
feito menino faminto

pecado

viajo num transe crescente
feito uma estrela cadente

caindo

meu corpo teu corpo sente
minha alma da tua depende

me sinto

sou corpo celeste vibrante
sou átomo viandante

labirinto

me perco
me encontro

pressinto

te sinto
meu

adormeço.

Monica San

Quem são esses meninos?

Quem são esses meninos descalços
desnudos, na rua jogados
perdidos e sem ilusão?

São filhos da indiferença
da falta de poesia
da falência do sentimento
da hipocrisia, da exclusão.

São o retrato escarrado
do cuspe no próprio prato
da ignorância e mau trato
do não ser de fato
herdeiros do próprio chão.

São nossa vergonha perdida
no som das moedas douradas
que prometem e não cumprem nada
que fazem da vida um mercado
onde se compra aos bocados
e nunca se enche de fato
o vazio do coração.

Vazio de sentimentos,
de valores e pensamentos
que façam valer a sorte,
de não se saber da morte
que à quem sofre trás o alento
mas à quem erra, não deixa tempo
pro arranjo ou redenção.

Monica San

Ainda te espero

Quando das minhas mãos
o tremor arrítmico marcar
os outonos sem fim
que passei à tua espera
que eu possa relembrar

Quando dos meus sentidos
a ausência se fizer sentir
e meus tantos invernos
tornarem-se remotas e frias lembranças
que eu possa esquecer

Quando da minha face
os vincos de tantas primaveras
se fizerem caminhos floridos
na memória e na alma
que eu possa sorrir

E, que ao erguer o que resta
da minha fronte altiva
em direção ao Sol, que tantas vezes
me trouxe você
eu possa ainda te esperar
no próximo verão.

Monica San

Rascunho

Desenho feito criança que brinca. Faço contornos, rabiscos
garatujas, pontos e riscos
Faço uma linha contínua
uma curva retilínea
na minha idéia infantil
tudo é possível, todo azul é anil, cem vezes cem é sempre mil.


Monica San

Caleidoscopia

Sobre mim


Mônica dos Santos, 39, solteira. Estudante de Pedagogia, cursando o primeiro ano, e escritora sempre que a alma pede um pouco mais de liberdade.

Neste blog você encontra a melhor parte de mim, aquela que nasceu sem pressa, sem cobranças, sem obrigações a cumprir. Aquela que sobrevive a todas as outras sem culpas ou medos, e a que melhor me traduz ou completa. A que me faz "ser" a despeito "de".

Aqui você me encontra sempre, em tempo integral, sem ressalvas nem expedientes.

Seja bem vindo!

Caleidoscópio

Nu, espelha o mundo...
em fractais percepções de íris
meu olhar caleidoscópico
Reflete inconstante
nuances e formas diversas
dispersas...na luz solitária
da menina que mora nos meus olhos.

Monica San

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Caleidoscopia: a vida através dos meus olhos.

Respeite os direitos autorais