07 fevereiro, 2009

Pós script


Senti escorrer entre minhas pernas o vinho...gelado, tinto, forte. Nosso brinde à paixão avassaladora que nos arrebatava e por dias mantinha-nos embriagados de nós mesmos.
Cruzávamos nossos olhares, e confundíamos as pernas entrelaçando desejos e cumplicidade num jogo perigoso onde deliberávamos sobre o certo, o errado, e o prazer da permissividade.
Por dias tive teu corpo no meu, tua sensatez perdida na minha insanidade, seu tempo escasso alongado nos meus lençóis. Alimentei-me das tuas tenras carnes e sorvi teu sumo feito um animal faminto.

Minha lascívia exacerbada parecia envolvê-lo num transe profundo. Abandonou-se ao meu bel prazer, como que permitindo que eu o domasse e se fez meu, se permitiu a rendição aos prazeres e à fartura da minha devassidão. Perdeu-se em mim.
Encontrei-me em ti. No teu corpo entregue, no teu olhar abnegado, no teu sémen que me aquecia e alimentava, no teu abraço abarcador. Mas...no teu beijo, senti um gosto amargo. Incompreensível, aterrorizante, puro fel. Um gosto de final, terminal.
Escondi, mascarei, fingi...engoli teu beijo, sorvi outros tantos, tão amargos quanto.
Adormeci com o gosto escorrendo pela garganta, amarga. Mas nos teus braços.
Quando acordei, tentava levantar-me, mas o corpo não obedecia. Levei os braços até você, mas não o encontrei, não ao meu lado.
Olhei a minha volta...um cortejo fúnebre, choro, lamentos, orações. E você, à minha frente, olhar estático, vidrado, penetrante...não identifiquei a princípio para onde olhavas. Não entendia aquele cenário dentro do nosso quarto.
Tentei gritar mas você não me ouvia, ninguém ouvia.
Foi então que percebi que não era nosso quarto, que não era nossa cama, e que o cortejo era para mim. Era eu ali, sendo velada, era meu o esquife enfeitado de flores, eram para mim as lágrimas.

Uma última imagem permeava aquele momento incompreensível: suas malas prontas jogadas ao chão, um beijo, com o mesmo amargo de antes, e a adaga milenar que ficava no painel sobre nossa cama, em minhas mãos...manchada do meu próprio sangue.

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